Um cadáver livre!
Sem regras.
"As pessoas crescidas fui-as conhecendo de baixo para cima à medida que a minha idade ia subindo em centímetros, marcados na parede pelo lápis da mãe. Primeiro eram apenas sapatos, por vezes descobertos sob a cama, enormes, sem pé dentro, e logo calçados por mim para caminhar pela casa, erguendo as pernas como um escafandrista, num estrondo imenso de solas. Depois tomei conhecimento dos joelhos cobertos de fazenda ou de meias de vidro, formando ao redor da mesa debaixo da qual eu gatinhava uma paliçada que me impedia de fugir. A seguir vieram as barrigas de onde a voz, a tosse e a autoridade saíam apesar do esforço inútil de suspensórios e cintos.
Ao chegar à altura da toalha aprendi a distinguir os adultos uns dos outros pelos remédios entre o guardanapo e o copo: as gotas da avó, os xaropes do avô, as várias cores dos comprimidos das tias, as caixinhas de prata das pastilhas dos primos, o vaporizador da asma do padrinho que ele recebia abrindo as mandíbulas numa ansiedade de cherne. Compreendi por essa época que tinham um riso desmontável: tiravam as piadas da boca e lavavam-nas, a seguir ao almoço, com uma escovinha especial. Aconteceu-me encontrá-las sob a forma de gargantilhas de dentes num estojo de gengivas cor-de-rosa escondidas por trás do despertador nas manhãs de domingo, a troçarem dos rostos que sem elas envelheciam mil anos de rugas murchas com flores de herbário devorando os lábios com as suas pregas concêntricas.
Já capaz pelo meu tamanho de lhes olhar a cara...."
© António Lobo Antunes, "As pessoas crescidas", in "Algumas Crónicas"
Saturday, May 26, 2007
Wednesday, May 23, 2007
Tuesday, May 22, 2007
Nota Importante:
Para quem não participou no cadáver anterior, há pelo menos uma regra: cada participação terá de ser feita com um intervalo de duas, para que não seja sempre a mesma pessoa a dar continuidade.
Obrigada!
Obrigada!
Monday, May 21, 2007
De volta!
O cadáver vai ressuscitar... com a vossa ajuda obviamente.
Para variar um pouco, para não cansar, este cadáver (exquis-exquis) será em "tom" de poema. Isto é, cada participação será apenas de uma frase como se de um verso se tratasse. (Nao querendo isto dizer que não aparecerá entretanto um outro nos moldes do anterior... este é um cadáver mais light em número de palavras, mas ao mesmo tempo é capaz de permitir uma outra densidade em termos de significado... veremos.)
Ao contrário do outro, ficará aberto "para todo o sempre"!
Terá inicio às 00h
de 22 de Maio de 2007.
Be creative!!!!!
Para variar um pouco, para não cansar, este cadáver (exquis-exquis) será em "tom" de poema. Isto é, cada participação será apenas de uma frase como se de um verso se tratasse. (Nao querendo isto dizer que não aparecerá entretanto um outro nos moldes do anterior... este é um cadáver mais light em número de palavras, mas ao mesmo tempo é capaz de permitir uma outra densidade em termos de significado... veremos.)
Ao contrário do outro, ficará aberto "para todo o sempre"!
Terá inicio às 00h
de 22 de Maio de 2007.
Be creative!!!!!
Saturday, May 12, 2007
Wednesday, May 9, 2007
Não morreu ainda, mas vamos dar-lhe uma data para terminar. A afluência, principalmente a participação diminuiu drasticamente....
proponho 6ªFeira, 11 de Maio'07, 23h59m, para fechar os comments.
Estejam atentos a novos projectos... aqui ou no (N©N)BLOG!
proponho 6ªFeira, 11 de Maio'07, 23h59m, para fechar os comments.
Estejam atentos a novos projectos... aqui ou no (N©N)BLOG!
Monday, May 7, 2007
Sunday, May 6, 2007
Saturday, May 5, 2007
Cadáver Esquisito-Esquisito
No (NON)BLOG fiz um post com a bichezas que habitam em nós e comentários criativos que lá fizeram deram-me uma ideia... começar um Cadavre-Exquis-Exquis, ou seja, um duplamente esquisito. Vou tentar explicar... eu começo uma história com um parágrafo e cada comentário acrescentará mais uma frase, palavra, parágrafo... o que cada um achar melhor e de acordo com o seu estilo ou gostos. Ora para ser uma Cadavre-Exquis perfeito teríamos de tapar as frases anteriores e deixar só a ultima para que houvesse alguma coerência dentro do caos, como isso não é possível ficará ao critério de cada um e da sua imaginação as clivagens que a história terá. Para tornar mais interessante, depois de estar "composto"... dependendo da participação, a história migrará para outro blog para tentar que cresça e com participações de pessoas diferentes, consoante os habituais visitantes de cada blog... and so on and so on. Não sei se resultará, o único desafio que fiz por aqui não resultou, o das estantes... ninguém mandou fotografias. Mas desta vez não dá muito trabalho e acho que dará algum "gozo" ir mudando o rumo da história... seria interessante que ninguém se prendesse ao estilo de escrita do comentário anterior nem mesmo ao rumo que esta tomou, alternar entre o drama e a comédia, a poesia e a prosa, realismo, surrealismo...
Todos podem participar várias vezes, desde que deixem um intervalo de 2 comentários, entre cada um dos seus textos. Qualquer questão em relação ao "regulamento"ou sugestão poderá ser colocada neste post... o outro serve somente para continuar o "cadáver".
Nota importante: para que não aconteçam sobreposições, sugiro que antes de publicar o comentário façam refresh da página, porque poderá outra pessoa entretanto já ter continuado a história quase simultaneamente.
O “Cadáver Esquisito-Esquisito” começou com um trecho de uma história de Ursula Wolfel, a senhora que escreveu os três livros que tanto elogiei. (creditarei estas primeiras frases, até porque não há consentimento da autora... daqui para a frente será de todos nós!!!)
O cadáver segue no post em baixo!
Todos podem participar várias vezes, desde que deixem um intervalo de 2 comentários, entre cada um dos seus textos. Qualquer questão em relação ao "regulamento"ou sugestão poderá ser colocada neste post... o outro serve somente para continuar o "cadáver".
Nota importante: para que não aconteçam sobreposições, sugiro que antes de publicar o comentário façam refresh da página, porque poderá outra pessoa entretanto já ter continuado a história quase simultaneamente.
O “Cadáver Esquisito-Esquisito” começou com um trecho de uma história de Ursula Wolfel, a senhora que escreveu os três livros que tanto elogiei. (creditarei estas primeiras frases, até porque não há consentimento da autora... daqui para a frente será de todos nós!!!)
O cadáver segue no post em baixo!
Era uma vez....
S. said...
“...um homem que tinha tanta pressa que desejava não necessitar de nenhum tempo para nada. De manhã saiu a correr de casa e apanhou o autocarro, mas o autocarro demorava muito a chegar. Na paragem seguinte o homem saiu e pôs-se a correr à frente do autocarro. No cruzamento o semáforo estava vermelho mas o homem não tinha tempo de reparar em nada e continuou a correr. Os carros buzinavam, as pessoas gritavam, mas o homem não ouvia nada. Tinha chegado à esquina seguinte e, com tanta pressa, continuou a correr em frente, atravessando uma casa. Uma família estava....
(© Ursula Wolfel)
pinky said...
Uma familia estava sentada, e não tinha pressa para nada.
Não tinha pressa para viver, não tinha pressa para sorrir, não tinha pressa para sentir.
A famila que não tinha pressa, ficava.
Um corvo surgiu do nada....
mariatereza said...
do nada da familia sem pressa. Empoleirou-se sobre o ombro esquerdo do homem gritando-lhe aos brados: Jamais chegarás! Jamais chegarás! Jamais!
Ana Paula said...
Entretanto, ele senta-se muito depressa e põe-se a pensar mas depois pensou que não podia ter tempo para coisas tais pois ele vivia depressa demais.Porque o tempo passa depressa. Arrancou os pensamentos da cabeça e deitou-os fora enquanto corria desalmadamente para ir almoçar. Mas como um almoço leva tempo, decidiu juntá-lo com o jantar.
mag said...
Seria um daqueles jantares com sopa e gravatas e tudo! Daqueles que sé se tem aos fins de semana em que o céu pintado de cor de rosa como numa fotografia antiga nos faz lembrar os romances de Verão. Iria tentar um jantar que fosse uma rima de todos os outros momentos que lhe ficararm marcados desde sempre. Aqueles momentos com céus cor de rosa e que com o passar dos anos se transformam em momentos azul bébé. Talvez assim conseguisse acalmar o que lhe ia na alma
Ouriço said...
E assim fez. Afinal, uma refeição sempre demora menos tempo do que duas. Avidamente, engoliu um pacote de leite, duas fatias de carne assada e um tomate suculento. Isto porque, para quem não sabe, os corvos adoram ler Os Cinco e sempre se inspiraram nos piqueniques maravilhosos que eram feitos pelo grupo, quando das investigações. Este corvo não era excepção.
O Pai said...
Enquanto jantava, alguém tocou à campainha de casa. Ficou com muitas dúvidas. Como iria gastar o próximo minuto? Abria a porta e perdia o tempo do jantar, ou jantava e perdia o tempo para abrir a porta e saber quem o procurava. Ele decidiu ...
Rita said...
...poupar tempo e abrir a porta enquanto terminava a sua banana. Não poderia falar, assim de boca cheia, a banana metade fora- metade dentro. Mas talvez não fosse necessário, o carteiro pediu-lhe apenas uma assinatura. Em troca dela, recebeu uma carta, de correio azul, como ele gosta.
M said...
Da porta começou a verter o veneno destilado pacientemente ao longo das intermináveis noites de insónia. Os ratos descomunais que acabavam de devorar os restos da refeição aproximaram-se, curiosos e atentos, demasiado habituados ao choro hipócrita dos traficantes de ópio para darem qualquer crédito ao torso decepado que esperava pacientemente a sua vez.
A jovem assassina, envergando o seu vestido de minúsculas flores mimosas e primaveris, fez uma aparição completamente inesperada e mesmo um pouco incómoda, já que não parara de avisar, no decorrer de toda a manhã, que em sendo meio dia em ponto se ia suicidar, lançando-se ao rio e não estaria de regresso antes do final da tarde, hora a que o saxofonista deveria já estar de posse dos duzentos pares de sapatos e, portanto, pronto a dar início ao massacre.
Ouriço said...
Arrumava os sapatos de maneira tão metódica, que os bichos do pó tinham medo de entrar no seu closet-especial-para-sapatos-paranoicamente-arrumados. Foi difícil prepará-los para aquele dia. Os seu duzentos "meninos" atirados brutalmente para dentro de sacos vileda de 100 litros, verdes e sem elástico a servir de fecho. Terminada a tarefa, seguiu caminho.
S. said...
A carta.
Sem coragem para a abrir, decidiu esperar... agora a pressa não era nenhuma. Que diria Alfreda? já não tinha notícias de Alfreda há mais de 1 mês..."não pode ser nada de bom...". Olhou, demoradamente para o rectângulo azul, uma coisa era certa já não estava em Nova Iorque, o selo era Indiano e o carimbo de Bombaim.
Meteu a carta no bolso do fraque e saiu.
intruso said...
Saiu com tanta pressa que no fundo não era pressa nenhuma... e esqueceu-se de tudo; da pressa que não tinha, do fraque que afinal não tinha vestido, da carta de correio azul que meteu no bolso do fraque e que ficaram afinal esquecidos em casa...
Não tinha notícias de Alfreda há mais de um mês, pelo que poderia ficar sem notícias dela durante mais umas horas...
Na rua estava um dia calmo, com aguaceiros ácidos mas pouco turvos. Quase conseguia ver a lua do meio dia, atrás do halo fosforescente, bem como a sua sombra gigante em forma de botão projectada sobre os prédios de papel, sobre as flores monstruosas de ferro acima de si e sobre as hydras que engoliam humanos...
Um dia quase calmo, não fosse aquela ameaça (...)
Ouriço said...
A ameaça do inexplicável. O desaparecimento daquela mulher, de olhos castanhos e grandes, logo naquele dia?
Eduardo P.L. said...
Pegou o rumo do heliporto, sem se preocupar com o número enorme de sapatos femininos que levava. Embarcou, e saiu rumo as montanhas cobertas de neve. Acharia , Alfreda, ainda antes do anoitecer. O vôo foi tranquilo apesar do vento forte e do incomodo barulho do rotor das helices. Foi nesse momento que se lembrou...
isabel victor said...
Nessa noite ... dormiu com a carta debaixo da almofada.
pela prmeira vez, em tantos anos, não tinha pressa ...
sentia-se estranho ...
às vezes Ele, às vezes Ela said...
Passou com as mãos nos seus pés. Estavam maltratados. Passavam largos meses desde que deles tinha ido tratar. Sempre tinha tido um fetiche por pés arranjados, como os dela, que beijava de ternura. Acendeu a luz. Passava pouco das quatro. Bebeu água e resolveu abrir a carta:
"-Afinal, resolvi escrever-te (...)
M said...
E era tudo. Mas por que é que alguém escreve uma carta para dizer "Afinal, resolvi escrever-te"? Colocou a folha contra a luz. Poderia haver mais alguma coisa escrita. Provavelmente. Em tinta talvez simpática. Para dizer "Afinal, resolvi escrever-te" não era necessário mandar uma carta. Ou seja: um envelope, talvez. Não era necessária a folha. Ao escrever o envelope, com o nome e a morada (e, para mais, em correio azul, como ele gostava), já estava a dizer isso mesmo: "Afinal, resolvi escrever-te".
Aspirou o perfume da folha. Encerrava, bem fundo, um aroma vago a casas fechadas, a criptas, talvez. Em última análise - e se tivessemos em conta o rastejar sinuoso do discurso do vigilante da passagem de nível que sorvia o ar em golfadas curtas e dolorosas, ao mesmo tempo que cortava as unhas dos pés - a carta poderia não querer dizer que "Afinal resolvi escrever-te"...
Lauro António said...
Recebi a carta sem surpresa. Afinal já a vira escrever cartas em circunstâncias muito mais difíceis. Desta feita não foi quase necessário lê-la. Abri-a sem sobressalto. Desdobrei o papel, reconheci a letra miudinha, a tinta violeta, o cheiro a rosas secas, e depois as palavras, arrumadas, lado a lado, sem inovação, apenas a coerência da repetição, se coerência há na repetição.
Que dizia?
Ri-me discretamente.
Voltei a dobrá-la e não a devolvi ao envelope. Repousa agora em cima da minha secretária, ao lado do missal e do candeeiro de pé alto.
Um candeeiro de um só pé, perguntou Agripina? É verdade, querida, um só pé, resultado das bombas na batalha de La Lys, donde veio perneta e gazeado. Olhei em redor e vi a família estupefacta. O Rui entretinha-se a mascar gomas, e a Carlota enrolava num dedo as madeixas do cabelo louro. A avó Margarida tossia, enquanto comia a sopa. Assoprava a cada nova colherada, depois sorvia o caldo, com um ruído curioso que deixava a Justina exasperada.
A avó olhava-a, interrompia o assobio sibilino. e explicava: "São os dentes, minha filha, os dentes!"
Mas não eram os dentes, era a falta de dentes que ela queria referir. Os dentes tinha-os ela deixado, há anos, durante uma sessão de sexo oral mais entusiástico. O Marcelino da Pharmácia Esmeralda que o diga. Que o diga toda a aldeia de Vivendinhas de Baixo, concelho de Cedufeitas e Porfazer, no lugar de ver-os-rios-a-correr-para-o-mar.
Foi assim que no ano da graça, Jeremias, o Vindouro, se suicidou colocando o pescoço sobre o carril do comboio. Esteve oito anos, sete meses e dois dias à espera da inauguração da linha, mas quando o primeiro comboio circulou na região ficou para sempre com o nome inscrito na lenda. Depois dele, vários Jeremias, os Passados, tentaram bater o recorde, mas sem resultado. Apenas Maria, a Torradinha, (torradinha era nome que lhe puseram por ela andar sempre envolvida em manteiga, desde muito pequenina!) consegui algo semelhante em toda a redondeza. Mas era coisa que se mantinha em segredo, pois ninguém, em Pinhais de Parede, parecia estar interessado em devolver a palavra …
Palavra de honra, disse o Senhor Prior, e caiu fulminado.
Quem havia de dizer? Um Senhor Prior sempre tão aprumado, tão arrumadinho. Tão orgulhoso da sua batina, esmeradamente lavada com o Tide da mana Eusébia.
Pois é, minha filha, seu arrumadinho não quer dizer nada, pensou o jornalista Euleutério, mas não disse. Guardou a deixa para a folha de alface onde colaborava regularmente. Difícil porém era escrever numa folha de alface. O Pirulito da área bem que tentara, tentou com uma cenoura, com um aipo, até com uma beringela, mas nicles, e nisto batem à porta.
Tenho de ir abrir…
Ana Paula said...
"Tenho de abrir que tenho pressa. Uma alface espera por mim para fazer uma hedionda salada que me há-de matar com toxoplasmose." Mas ele até de morrer tinha pressa e deu o caso por encerrado. Fez a salada, comeu e esperou apressadamente p'la morte. Que não veio porque também tinha pressa e se foi dali para outro lugar onde tudo já estava mais resolvido. Acho que foi para a Terra do Nunca, onde nunca conseguiria ser morte.
Entretanto o outro, o homem com muita pressa, já se tinha deitado para dormir mas apressado logo acordou, dormir era uma perda de tempo e acordado girou como um peão, rodando interminavelmente, escapou-se de casa para o espaço, onde encontrou o Peter Pan que finalmente o acalmou e o fez parar para tomar um cházinho com a Sininho. Ou não fosse a fantasia a única forma de não ter pressa... Até porque a pressa é inimiga da perfeição.
S. said...
nock, nock, nock...
ouvia um som seco e forte longe, longe, longe...
de repente acorda sobressaltado! Acabara por adormecer ainda com a carta na mão e dobrado sobre a secretária. Sempre que bebia um pouco à refeição dava nisto, caía quem nem um tordo e sonhava com histórias infantis... sonhos disconexos e com o passado, a sua família. Passado? que passado? A memória traía-o desde o acidente que tivera há dois anos. Nunca mais foi o mesmo, até porque não tinha documentos e ninguém deu pela sua falta. Um John Doe à portuguesa. Restava-lhe sonhar com desconhecido tão desejado.
nock, nock, nock
continuavam a insistir:
"POLICIA! Abra a porta é uma ordem!"
pinky said...
ele tremeu...
pensou ser mais um pesadelo
serrou os olhos com força e disse para si mesmo....acorda!
- nock nock nock
não podia ser...o som continuava, a ordem era a mesma....
- Policía, em nome do Rei abra a porta!
Rei?! Qual Rei? Mau....ou acordo ou tenho que me atirar da cama abaixo para sair do pesadelo...
- nock nock
Pronto lá tenho que cair da cama....concentrou-se, fez muita força e atirou-se....
o impacto súbito com o chão que esperava não aconteceu, sentiu-se flutuar....resolveu abrir os olhos e viu....caía em queda livre em direcção a nada....mas segundos depois viu....
Sibila said...
Viu que flutuava entre poeiras estelares e as cores do arco-íris entrelaçavam-se no seu corpo. Mas era tudo ilusão, pois de repente estava a ser engolido pela baleia maior que já tinha visto. Por incrível que pareça, dentro dela encontrou o Pinóquio. Sentado numa cova especialmente confortável da barriga da baleia-monstro, da qual fez poltrona, teve uma bela conversa com ele. Discorreram sobre inúmeros temas mas o mais polémico foi o das vantagens e desvantagens da mentira, considerando o tamanho desmesurado do nariz do Pinóquio. Não parava de crescer e ameaçava perfurar a barriga da baleia a qualquer momento...Ele viu ali uma hipótese de fuga para retornar ao ponto onde tinha ficado: caído da cama aos trambolhões, sem sentir a queda que também nunca tinha chegado a acontecer, parecia... E a porta que nunca mais era aberta!
Esta tremenda lentidão que se fazia acto inacessível recordou-lhe o castelo de Kafka. É que nunca mais lá chegava, nem à porta nem ao castelo. Talvez devido a burocracias, não sabia. Certo, certo, tinha sido desleixado e não tinha renovado o bilhete de identidade. Talvez por isso o procurassem, para lhe devolver uma qualquer identidade.
Tentou, então, estender a mão para abrir a porta. Foi quando em vez de se abrir, se virou contra ele e tráz!, bateu-lhe em cheio na cara. Voltou às estrelas e dormiu que nem uma pedra. Às vezes, é melhor não tentar abrir certas portas. Mas quem quiser, pode continuar a tentar... Alguém vai abrir?
dora said...
Parece que não!
Por isso, e porque já estava muito farto de estrelas, não teve outro remédio se não fazê-lo ele. Levantou-se. Estendeu a mão e, sem mais nada, a porta abriu-se, escancarada. "PORTA PARA O NADA", estava escrito por detrás.
- Porta para nada? - perguntou-se ele, ainda meio estrelado - Para que é que serve uma porta para nada? Uma porta para nada não deve servir para nada!
- "PARA O NADA", estúpido!- gritou a porta. - Irra, és mesmo mais estúpido que uma porta!
- Ahhhhh! - disse ele a ver se passava. E sim, a porta - que por ser porta não podia ser muito inteligente, deixou-o passar.
Então é que foi: O NADA - mesmo nada, nadinha nadica de nada - não era nada como ele tinha pensado durante toda a sua vida: não era nada transparente, nada vazio, não ia dar em nada, nem sequer era um lugar para nadar. Então, reajustou os pensamentos e......
Lauro António said...
- Tchiiiii, disse Rafael, ou pensou, ninguém sabe dizer ao certo o que aconteceu.
Deu meia volta e foi-se embora. Estava farto de fazer figura de parvo, e tinha visto, num ápice, que não estava ali a fazer nada.
"Eles que se amanhassem." Era para isso que eram pagos.
Se tinham que descobrir a vítima, o crime e o criminoso, que o fizessem sozinhos.
Rafael, que ia só a passar, assobiou para o lado, meteu as mãos nos bolsos das calças, e foi à vida, que a morte é certa.
"Dizem!"
- "Foi nessa altura que lhe caiu a viga de metal em cima dos cornos e o mandou para os anjinhos", disse Mendonza, do cartel de Medellin.
_"Abres a carta ou não meu cabron!?" e mostrou o revólver que tinham na mão e lhe apontava à cabeça.
Rufino Fino, que tinha saído das ruínas do Carmo, olhou para a Chaimite que está à porta do Convento, e rezou entre dentes: "Virgem Santíssima! Quem havia de dizer!?"
Foi o bastante para Don Quichote, que ia a passar para a Fnac do Chiado, lhe estender a lança. Rufino olhou, viu, meditou, agarrou no donut e pendurou-o na lança. Nem 30 segundos (qual 30 segundos!, nem 20! qual 20 segundos!, nem 10 segundos!) ali esteve o donut. A voracidade de Pancho Villa era proverbial. “Arriba!, Arriba!” e seguiu depois de se lambuzar todo de açúcar em calda…
Falta aqui alguma coisa, pensa o autor.
Carmenzita atalhou: - “Falta aqui uma ceifeira?”
- “Será? Uma ceifeira dava jeito.”
- “Ceifeira ou não ceifeira, o que falta é uma gaja!”, disse o zarolho.
Estava com cio deste o Inverno passado. Tiritava de cio. Ou seria… de frio?
- Hei!, gritou o alferes, Frio ou cio?
O Zarolho detestava intromissões de militares:
- “E se fosses para a coisinha da tua mãe, ó larila?”
Nesta altura o fagulha reagiu: - “Ò larila olé!”
hfm said...
E do lado surgiu o silêncio feito pessoa - esquálido, firme, dominador.
Ouriço said...
Subiu então a Rua Garrett. Sentia fome mas a Benard já não era a mesma de antigamente e teve preguiça de descer até à Confeitaria Nacional. Desejou que um dia houvesse algum blog para contar a sua história, um cineasta para fazer o filme da sua vida e continuava cheio de fome. A perna doía-lhe e não tinha o maldito comprimido.
Foi então que a viu. Sentada no colo do Fernando Pessoa petrificado. Alfreda. Fumava um cigarro pensativo, qual personagem queirosiana. E chorava. Cobria-a uma pachemina vermelha, trazida de Bombaim.
Voltara. Trazia os olhos castanhos, grandes e distantes.
O encontro. Finalmente o encontro.
O Pai said...
Neste momento, Luís (um professor universitário envolvido em escandalos) dava por concluida a leitura nocturna, de livros fantásticos, ao seu filho Frederico.
- Fred, já são horas de dormir. O livro que escolheste é estranho e dá muitas voltas. Dorme bem. Não te esqueças de rezar o Pai Nosso.
- Obrigado Pai. Só espero não ter pesadelos esta noite. Até amanhã.
Frederico aproveita a lanterna que tinha recebido de presente no Natal e decide continuar a leitura do seu livro fantástico. Porém descobre que quando todos esperavam o encontro com Alfreda, surge um ataque terrorista que destroi a cidade. Alfreda decide mostrar que as mulheres estão disponiveis para tomar conta do mundo, afirmando "Enterrem-se os mortos e cuidem-se dos vivos"...
MRF said...
Os vivos criaram uma sociedade de mulheres que não era uma sociedade transbordante de feminidade ou maioritariamente composta por mulheres - na verdade, o que havia mais era ratos- mas uma sociedade que existia para além da guerra dos sexos e das lutas por direitos que já não tinham sentido. Com o terramoto as cidades desapareceram e com elas o Estado, pelo que o direito ao voto ou à igualdade de oportunidades rapidamente passou a fazer parte de uma vaga memória, estranhamente agitada, que se revelava apenas em sonhos e nunca em encontros entre escombros, e menos ainda ao pé da estátua da jovem assassina, onde Alfreda descobria todos os dias mais uma série de minúsculas flores enquanto lia a inscrição: "ao meio dia suicidou-se", estátua erguida por amigos do saxofonista que, face à catástrofe, não puderam deixar de crer que aquela morte teria sido um indício e o seu anúncio prévio, insistente, um aviso.
"Eu tinha tanta pressa", disse um homem sentado do outro lado da estátua. Vestia um fraque preto e falava com o que parecia ser um corvo. Pousado no seu ombro, o pássaro debatia-se com um envelope que lhe tapava a cabeça. A cada movimento da ave, soltavam-se palavras que caiam como sapatos aos pés do homem. Alfreda aproximou-se..
Ouriço said...
Aproximou-se, suja pelos escombros do terramoto que se tinha seguido ao ataque terrorista. Olhou as pequenas flores. Viu o corvo e lembrou-se do delírio que alguém tinha tido com o bicho. Não passava pela cabeça de ninguém imaginar o corvo a ler Os Cinco...
Encarou o homem da pressa e decidiu que naquele momento lhe iria explicar porque fugira dele. Porque partira para Bombaim no dia daquela festa, tão importante para ambos.
Joao said...
Para Bombaim? "Raios, teria mesmo sido Bombaim?" ou teria novamente passado pelo mesmo portal imaginário que lhe permitira uma vez e outra visitar a idade média? Imaginário? podia ainda sentir os aromas e os cheiros. sobretudo, a diferença no ar puro que respirara, completamente diferente daquele, em que vivia actualmente. ou que julgava viver.
tudo lhe parecia demasiado confuso.
meteu a mão no bolso à procura dos comprimidos,que como sempre lhe deveriam trazer de volta à realidade.
mas nisto, ouviu algo..
Cuga said...
Á sua frente uma pessoa sem rosto estava debruçada sobre o seu corpo... Ouvia vozes ao longe, como se estivesse a despertar de um coma interminável, mas não reconhecia a pessoa, não reconhecia a língua que falavam e não encontrava as palavras que perguntavam: "quem és, onde estou?" No silêncio, voltou a fechar os olhos e a ser transportado pelo torpor do sonho,
ao som de uma máquina que apitava continuamente piiiiiiiiiiiiiii......
Ouriço said...
Subiu então a Rua Garrett. Sentia fome mas a Benard já não era a mesma de antigamente e teve preguiça de descer até à Confeitaria Nacional. Desejou que um dia houvesse algum blog para contar a sua história, um cineasta para fazer o filme da sua vida e continuava cheio de fome. A perna doía-lhe e não tinha o maldito comprimido.
Foi então que a viu. Sentada no colo do Fernando Pessoa petrificado. Alfreda. Fumava um cigarro pensativo, qual personagem queirosiana. E chorava. Cobria-a uma pachemina vermelha, trazida de Bombaim.
Voltara. Trazia os olhos castanhos, grandes e distantes.
O encontro. Finalmente o encontro.
O Pai said...
Neste momento, Luís (um professor universitário envolvido em escandalos) dava por concluida a leitura nocturna, de livros fantásticos, ao seu filho Frederico.
- Fred, já são horas de dormir. O livro que escolheste é estranho e dá muitas voltas. Dorme bem. Não te esqueças de rezar o Pai Nosso.
- Obrigado Pai. Só espero não ter pesadelos esta noite. Até amanhã.
Frederico aproveita a lanterna que tinha recebido de presente no Natal e decide continuar a leitura do seu livro fantástico. Porém descobre que quando todos esperavam o encontro com Alfreda, surge um ataque terrorista que destroi a cidade. Alfreda decide mostrar que as mulheres estão disponiveis para tomar conta do mundo, afirmando "Enterrem-se os mortos e cuidem-se dos vivos"...
MRF said...
Os vivos criaram uma sociedade de mulheres que não era uma sociedade transbordante de feminidade ou maioritariamente composta por mulheres - na verdade, o que havia mais era ratos- mas uma sociedade que existia para além da guerra dos sexos e das lutas por direitos que já não tinham sentido. Com o terramoto as cidades desapareceram e com elas o Estado, pelo que o direito ao voto ou à igualdade de oportunidades rapidamente passou a fazer parte de uma vaga memória, estranhamente agitada, que se revelava apenas em sonhos e nunca em encontros entre escombros, e menos ainda ao pé da estátua da jovem assassina, onde Alfreda descobria todos os dias mais uma série de minúsculas flores enquanto lia a inscrição: "ao meio dia suicidou-se", estátua erguida por amigos do saxofonista que, face à catástrofe, não puderam deixar de crer que aquela morte teria sido um indício e o seu anúncio prévio, insistente, um aviso.
"Eu tinha tanta pressa", disse um homem sentado do outro lado da estátua. Vestia um fraque preto e falava com o que parecia ser um corvo. Pousado no seu ombro, o pássaro debatia-se com um envelope que lhe tapava a cabeça. A cada movimento da ave, soltavam-se palavras que caiam como sapatos aos pés do homem. Alfreda aproximou-se..
Ouriço said...
Aproximou-se, suja pelos escombros do terramoto que se tinha seguido ao ataque terrorista. Olhou as pequenas flores. Viu o corvo e lembrou-se do delírio que alguém tinha tido com o bicho. Não passava pela cabeça de ninguém imaginar o corvo a ler Os Cinco...
Encarou o homem da pressa e decidiu que naquele momento lhe iria explicar porque fugira dele. Porque partira para Bombaim no dia daquela festa, tão importante para ambos.
Joao said...
Para Bombaim? "Raios, teria mesmo sido Bombaim?" ou teria novamente passado pelo mesmo portal imaginário que lhe permitira uma vez e outra visitar a idade média? Imaginário? podia ainda sentir os aromas e os cheiros. sobretudo, a diferença no ar puro que respirara, completamente diferente daquele, em que vivia actualmente. ou que julgava viver.
tudo lhe parecia demasiado confuso.
meteu a mão no bolso à procura dos comprimidos,que como sempre lhe deveriam trazer de volta à realidade.
mas nisto, ouviu algo..
Cuga said...
Á sua frente uma pessoa sem rosto estava debruçada sobre o seu corpo... Ouvia vozes ao longe, como se estivesse a despertar de um coma interminável, mas não reconhecia a pessoa, não reconhecia a língua que falavam e não encontrava as palavras que perguntavam: "quem és, onde estou?" No silêncio, voltou a fechar os olhos e a ser transportado pelo torpor do sonho,
ao som de uma máquina que apitava continuamente piiiiiiiiiiiiiii......
as velas ardem ate ao fim said...
estava a ver televisao.Ninguém deu por ele correr habituados que estavam a estar distraidos consigo proprios.Ele correu, correu e correu até que parou...Olhou em volta e tudo era verde.Onde estava?
S. said...
...estava num estádio de futebol, mais precisamente numa transmissão televisiva de um final da taça de Portugal.....
kkkkzzzzzz.....kkkkzzzzzz....
""AVARIA!!! AVARIA!!! ERRO NO TELETRANSPORTE!!!! ERRO!!! ERRO!!!""
De facto, o seu destino era uma "sala" de espectáculos mas não essa, a avaria da máquina foi ultrapassada, o erro corrigido... finalmente no S.Carlos.
A responsabilidade de um primeiro violino é grande e por pouco não chegava a tempo ao último ensaio, antes da tão esperada ante-estreia. Madama Butterfly, com remix dos Da Weasel, na Comemoração dos seus 50 anos de carreira.
TOC TOC TOC
(o ensaio vai começar....)
Joaquim Amândio Santos said...
e o silêncio era tudo quando os ouvidos almejavam escutar.
retesavam-se músculos, na ânsia de consumir o retinir de cordas, o sopro de metais e a força exalada por cada instrumento de percussão.
no meio da floresta de músicos, sentia-se a ausência da vontade individual, no preciso instante em que cada um se preparava para fazer parte de um todo.
As rugas que contornava a face exerciam uma feliz união com os fartos cabelos brancos que, já nas suas pontas, exerciam o mandato de um manto protector sobre os ombros de corcunda do maestro, protegidos por um casaco andarilho de inúmeros ensaios em outros tantos lugares, espalhados por sítios tão diversos quantos os momentos.
Desajeitado no andar, lento no percurso, assumiu a posição.
agora era a hora da música.
esse fino momento em que as fronteiras da vida vão para lá da superfície.
Eduardo P.L. said...
Pegou a caixa do violino, abriu-a e qual não foi o seu susto ao notar que no lugar do violino..
JPS said...
Antes de começar a interpretação pousou o ipod, retirou o pequeno rádio que comprou numa loja chinesa e sintonizou. Queria acompanhar o relato durante a actuação, o que não era difícil pois já não era a primeira vez que as óperas eram à mesma hora que a Liga dos Campeões.
O ensaio tinha começado, a primeira parte foi perfeita, mas ao intervalo reparou que Alfreda estava na plateia, sozinha, esbelta e com uma cor de pele invejável (tinha passado uma temporada na Tailândia). Queria ir falar com ela…
Ouriço said...
Alcaçou Alfreda e convidou-a para cear, depois da ópera. Chegaram ao Snob. Pediram um bife com batatas fritas. Beberam cerveja.
Finalmente depois de tantos desencontros, ele confrontou Alfreda. No dia em que desapareceu, faria a sua operação. Desde sempre quisera mudar de sexo. Ele nunca compreendeu o seu desaparecimento e nunca compreendeu se a cirurgia tinha sido feita. A ignorância estava a enlouquecê-lo....
Joao said...
contudo, Alfreda nunca tinha contado o verdadeiro motivo da operação. desde pequena que seu avô lhe tinha falado que na sua família havia alguém com vocação para o contacto para "outro mundo".
daí e escondendo de tudo e de todos, foi a Bombaím à procura do seu terceiro olho. e com o Dr. Chamuces, descobrira-o sob a sua omoplata esquerda. agora mais do que nunca era diferente de todos os outros neste mundo.
e por isso, agora que estavam juntos, depois do comer mais um croquete no Snob, e tendo a plena confiança nele, lhe disse:
O Pai said...
...
Frederico que lia a história assustadora do livro do Senhor que estava sempre cheio de pressa e de Alfreda a sua amiga (homem/mulher/alien/outro) acabou por adormecer.
Estava demasiado cansado, e mesmo a excitação causada por tão interessante história foi vencida.
Nessa noite nem chegou a sonhar.
De manhã, qual a sua surpresa quando reparou que a sua mãe, antes uma senhora baixinha, gorda e um pouco velha, parecia a assassina que se tinha suicidado ao meio dia. Afinal, a Mãe de Frederico (Carolina), designer de profissão e alternadeira à noite por opção, parecia muito mais jovem envergando o seu vestido de minúsculas flores mimosas e primaveris. . .
Rita said...
... e lantejoulas vermelhas.
Tinha sido uma noite longa, com 5 clientes e uma equipa de futebol da Primeira Divisão, com suplentes, presidente do clube e árbitros incluídos.
O cheiro a tabaco e sexo impregnado no cabelo não a deixava apreciar devidamente o sabor da chávena de café.
Foi só quando deixou o corpo descansar sobre o balcão da cozinha que viu o olhar espantado do filho.
Ouriço said...
O filho estava com cara de sono. Eram 5h00 da manhã. Quando a viu, gritoun:
- Mãezinha, não te apagues. Preciso do dinheiro dos ténis que me "prometestes" dar hoje!
- Toma filho.
Lá se vai a conta da luz. Que vida a minha.
O filho seguiu caminho. Carolina pegou no telefone e tentou, novamente, falar com Alfreda.
Ana Paula said...
Espantado com o seu ar desligado da realidade. Pensou num bom banho que a purificasse de toda a poluição mental a que costumava assistir. Assim fez, mas descuidada, adormeceu,e pior que isso: afogou-se. Mas era tudo imaginação. Recordou Alexandria e os rostos esfíngicos que tanto a perseguiam à noite, mergulhados no torpor do desejo. Recordou o gosto do sal, da areia quente e escura, dos luares banhados de mar e das vozes graves perpassadas de mistérios indecifráveis. A pressa tinha desaparecido da sua vida, tal como da daquele homem que tinha encontrado um dia, já não sabia onde... Agora, era a lentidão, como a daquele livro do Kundera. Vestiu-se como quem se dirige aos subterrâneos da memória... Um vestido de cores profundas e vibrantes, em tons de vermelho incandescente. Por cima, um casaco quente de cashemira. Nos bolsos, a embriaguez do sonho chamava por ela. Já nada fazia sentido, nem mesmo esta ideia de recordar.
Saindo para a rua, deparou-se com uma menina de olhos devoradores. Estendeu-lhe a mão e com ela percorreu as ruas desertas, sem nome. Nâo tinha destino nem queria que lho dessem. Parou debaixo de uma árvore frondosa e juntas sentiram a brisa fresca da noite, enquanto um cego tocava num acordeão. Pensou deixar-lhe ficar uma moeda, mas nem isso tinha. Na mão, apenas aquela mão pequenina de uma menina franzina, de olhos esbugalhados. E o cego sem moedas... Vale a pena dar? Uma moeda poderá restituir-lhe um pouco de visão?
legivel said...
... não. Nem lhe restituiria a visão e pior: atrasaria a revolução que haveria de vir.Sim que neste conto a muitas mãos e alguns pés, vivia-se num clima de medo e suspeição. Muito meeeeedo mesmo. À séria.
mag said...
E assim não podia ser. Ele recusava-se a que assim fosse!
Ouriço said...
Dele nada se sabe mas quanto a Carolina, depois de ter visto tanta desgraça, animou-se. Cansada de neura, Carolina voltou a tentar contactar Alfreda, que depois da noite passada na conversa com o homem-pressa, se sentia aliviada. Ele tinha entendido bem as suas razões. Carolina decidiu mudar de vida. Continuava com os seu laboroso design e abandonaria a vida nocturna.
legivel said...
... recusava-se mesmo! Não era o falar pelo falar... e isso ficou demonstrado quando deste vez foi assediado por um homem sem uma perna e que tocava saxofone. Por acaso nem tocava mal de todo, mas aquela mania de interromper o "E depois do adeus" e lhe pôr à frente dos olhos a latinha da ordem... Também não levou nada, claro. Só lhe faltava a ceguinha da rua Augusta a cantar o fado...
M said...
Pelo menos esse foi o seu primeiro impulso, mas rapidamente desistiu quando Alfreda começou a estrebuchar de uma forma verdadeiramente histérica. Ela desconfiara de que isso poderia vir a acontecer assim que a vira com aquele vestido vermelho profundo, pois sabia que essa cor dsencadeava nela reacções extremas, principalmente ao nível do menisco.
Com Alfreda a profundidade não podia de forma alguma ser obtida através do vermelho profundo de um vestido. Nunca tal acontecera e certamente não ia começar agora a acontecer, precisamente neste ano em que se comemorava o centenário do maestro e em que a encenação da ópera se tornava verdadeiramente inevitável, sob pena de despertar a ira da gorila adormecida.
Por isso ele insistira tanto nos duzentos pares de sapatos. Era uma decisão sensata, que seria bastante acessível a todos os intervenientes e que não traria os problemas que surgem sempre quando se tem de recorrer ao... ele nem queria mencionar a ameaça terrível! Mas a verdade é que o morcego andara por ali a pairar naquela tarde, com o seu manto roxo, invocando o grande ser. Valeria a pena tentar a profilaxia?... Ou seria já tarde?
Lauro António said...
_ Tchiiiii, disse Rafael, ou pensou, ninguém continua a saber dizer ao certo o que aconteceu.
- Tchiiiii, estes marmanjos não sabem o que dizem. Ando eu nisto da instrução para adultos para acontecer uma coisa destas. Não sabem o que dizem é o que é. Perde-se não só o latim, como o grego…
- O grego? Estás-te a meter comigo, oh sacripanta? Olha que comigo ninguém se mete. Com o Herodes já sabes: ou te calas…
Interrompendo: - Cuidado que há aqui Senhoras!
- Senhoras num vejo… Aqui só há miragens, e as miragens são como os anjos, assexuadas…
- Porra!, se isso é assim, vou ali e já volto.
- Fazes bem, oh Juvenal. A vida são dois dias…
E assim foi. Juvenal viu passar o primeiro dia, depois adormeceu, e ao acordar já tinha morrido, pois dormira, directo, sem paragem para ninguém descer ou subir, mais de 24 horas.
- Gosto, gosto sobretudo do Sutherland, disse o Pachá esfregando a coronha com pedra pomes. Esse gajo é cá dos meus – 24 horas chega para ir ali e voltar. Tá tudo dito, meu!
Dá mais 5!
O Chouriço Prateado bateu na mão e continuou a bater encostado à parede. O seu passatempo preferido era bater, bater uma, bater duas, bater três de seguida, sempre na mesma porta… até ela se ouvrir.
(- Raios parta o Chouriço Prateado, sempre com a mania do franciu! Ou será italianu?).
Vai daí, bate mais uma, bate menos uma, e a Moira aparece, muito viscosa (viscosa? Não será vistosa?).
- Vens do trabalho ou vais para o trabalho?, perguntou o Senhor Doutor Marques Rodrigues., que era homem de poucas falas, mas que quando falava, acertava na mouche. (- Lá está ele com o inglius!; não pára de gaguejar em estrangeiriu!).
- Fazes o fazer de te calar? Deixa o Doutor falar que o pai tá mal.
- Ok, ele que fale.
Doutor: - O pai tá mal…
- Vês? Eu não te dizia, o pai tá mal…
- O pai tá mal? Mas que vem a ser isso? Qual pai? Mal de quê? E onde tá o Doutor? Isto tá é tudo amalucado, querem lá ver…
- Ver o quê?
- Ver o quê o quê?
- Ver o quê!
- O quê?
- Sim, o quê! Nunca viste o quê?
- Não, disse o Jerónimo.
- Bem, vocês esperem ai. Até agora estava a perceber tudo, mas agora fiquei roxo. Quem é o Jerónimo?
Olharam-se todos, uns aos outros. Pensaram: - Não sabe quem é o Jerónimo. Fracote, não percebe mesmo nada destas coisas de cadáveres esquisitos…
- Claro que é esquisito. Morreu congelado com veneno de ratos… (“A Suivre… quando me der na real gana”, disse o Mentecapto, e pirou-se).
- Eisss! Vais embora e deixas isto assim?
- Olha quem vier atrás que apague a luz…
Lauro António said...
Fui eu. Que azar dos diabos! Tinha de ser eu a apagar a luz, disse o pirilampo mágico.
M said...
Soou o alarme geral e bloquearam-se todas as portas. As defesas organizaram-se rapidamente. Não utilizar os elevadores. Puxar uma máscara para as crianças ao seu lado. Não entrar em pânico. A sofisticada rede de segurança deposletou todos os mecanismos e nem uma mosca foi autorizada a sobrevoar o teritório. A ameaça era terrível. Um alienígena entrara subrepticiamente nos domínios privados e usurpara num acto de profunda inconsciência, a identidade de um flet-flic, um elemento da guarda de elite ao serviço do povo e das instituições respeitáveis.
Simulando uma sofisticada personalidade que manifesta o seu desgosto por fluidos de cor suspeita, consistência suspeita e sabor suspeito, fez seguir a trama com um impulso imeditamente detectado como não legítimo. As autoridades atentas detectaram a infiltração. O alienígena rendeu-se. A ordem foi restabelecida. As portas estão reabertas. Espera-se que os danos tenham sido pouco extensos.
Alfreda encontra-se desaparecida...
MRF said...
Alfreda encontra-se desaparecida mas uns tipos da CIA - que se meteram na história para aniquilar todos os terráqueos que ameaçaram colocar fotos dos alienígenas em blogues - bufaram ao saxofonista que a culpa é da Imelda. Eu avisei! Quatrocentos sapatos dá demasiado nas vistas e é óbvio que a ex-primeira dama das Filipinas ia querer metê-los no Museu. Deduz-se pois que Alfreda esteja em Marikina a negociar com Imelda Marcos as condições de cedência da sua colecção. A ideia é fazer no CCB- Centro Cultural de Balabac uma extensão do Museu Imelda. Se lhe pagarem bem, temo que Alfreda nunca mais deixe o arquipélago e se dedique à gestão do acervo. Caso triste este, sempre é mais um grande português que se afasta do país!
Se o autocarro do homem com muita pressa não se tivesse atrasado nada disto teria acontecido!
S. said...
Grande português ou portuguesa, só mesmo Alfreda e o seu cirurgião Slone poderão saber... ou será que o homem-pressa também? De facto, o seu comportamento errante, depois da conversa que tiveram, deixou no ar algumas dúvidas. A repentina viagem da sua diva, a mudança de vida da sua mãe/amiga... or whatever... levou-o a integrar um grupo de interajuda, para pessoas com fobia de livros com capas dobradas nos cantos e dedadas quando estas são impressas a preto e envernizadas. Grupo que ajuda também jovens ciumentas e possessivas. Adivinha-se, claramente, o início de uma grande empatia/amizade com Bordalo, um ex-vegetariano convertido ao canibalismo após anos de isolamento numa abadia, no sul de Inglaterra. Ambos sempre sonharam com a depilação definitiva dos pêlos das costas....
Lauro António said...
Passei por aqui e dei um tiro no autor. Pum! Adeus Pancho, adeus, Carmenzita. Por mim, c' est fini!
Tchiiii, disse Rafael, e foi à vida. Menos um.
seilá said...
O que ela mais ansiava. O liso. O totalmente isento sequer de penugem, sequer dessa que se visse e mais se fizesse o entre, quando rossasse a face, a cocha, um braço. Lisa até no sexo. Verteria os líquidos sem coados, sem pegaços nos pelos. Livre das fronteiras entre os seus suores e a vizinhança como um copo vertendo os condensado pela fria loiça.Um sistema aberto. Livre de florestas rasas e das outras que lhe cobriam risos e pensares.Careca. Ela. Despelada como uma rã ou uma filhó, um tomate encarnado. Poderia enfim perceber...poderia? talvez pudesse, assim o cria enquanto os instrumentos, agulhas, lasers, tesouras, pela ordem em que devem, lhe retiram, de uma vez ou um a um, os pelos antes que seja aplicado em cada reentrância o veneno (herbicida, por semelhança dito). Nunca mais crescido. O pelo.
Apenas pouparia as pestanas longas, negras, sacolejando o verde água dos olhos. Com elas se olharia em todos os espelhos.
Eduardo P.L. said...
Se espelhos houvessem!
Ouriço said...
Ai os espelhos!
Havia-os pois, em casa do homem-pressa. Ele era tão vaidoso....
Dirigiu-se ao Laranjeiro. Nunca mais fora o mesmo desde que se mudara das Avenidas Novas para o Laranjeiro. Pudera!
Tocou à campainha. Entrou e viu-se careca. Amália, sua ama desde tenra idade, assustou-se quando o viu. Sentou-o, deu-lhe o habitual Pisang Ambon e pôs um disco a tocar...
"não sei, não sabe ninguém, porque canto o fado neste tom magoado de dor e de pranto....".
M said...
Ele não podia simplesmente suportar a ideia de que Alfreda poderia ficar eternamente no arquipélago. Nunca 400 sapatos deveriam ser motivo para perder um elemento tão valioso na rede nacional de resistência contra os açambarcadores de identidades, essa ameaça que caía inesperadamente do tecto de estactites verdes sem pelos que se recusavam a olhar-se no espelho.
O homem com pressa, que entretanto ia tendo cada vez mais pressa, dirigiu-se, indeciso, para a paragem do autocarro. Seria possível evitar a ameaça do saxofonista mudo? AHHHHH como por vezes a necessidade de expressão leva a recursos tão desesperados!
Enrolou o saxofone numa manta velha...
hfm said...
e com ele partiu para o mar.
Na falésia apanhou um gafanhoto, um gafanhoto estranho, azulado... ou seria reflexo? Ali, contudo, a cor dominante do mar era verde cortado pelas crinas brancas das ondas.
Meteu o gafanhoto no saxofone e...
S. said...
....e o saxofone dentro da mala do SportBilly, que carinhosamente lhe tinha sido oferecida por Alfreda, no seu 15º aniversário. Já desbotada, Amália sempre insistira em limpá-la com álcool, ora, uma maleta de napa... desbota! Contudo a função sobrepõe-se à estética, pelo menos neste caso. Durante anos discutiu este assunto com sua mãe/amiga... ou whatever..., aquela que era designer de profissão e alternadeira à noite por opção, em noites frias em frente à lareira, na vivenda “maison” família que tinham em Oliveira do Hospital. Tentara sempre reger-se por essa grande premissa... qualquer acto seu, objecto que produzisse ou usasse, ou mesmo palavra que proferisse teria sempre uma enorme carga estética aliada à sua funcionalidade. Herança de família... das única que memórias que conseguira reconstruir depois do acidente.
Se não fosse aquela enorme constipação iria atrás de Alfreda, agora curadora do CCB... mas com os nevões que têm caído nas Filipinas não iria aguentar... protelava mais uma vez dar-lhe a resposta que ela tanto esperava.
Subiu para o cavalo e deu meia volta...
Ouriço said...
Cavalgou no puro lusitano, mais a constipação, os lenços de papel, a mala, o conjunto de sapatos e o kit de primeiros socorros.
Quando chegou, atingiu o inimaginável.
O Pai said...
Afinal, de manhã tinha saido a correr de casa e apanhado o autocarro, mas o autocarro demorou muito a chegar. Na paragem seguinte o homem tinha saido e desatado a correr à frente do autocarro. No cruzamento o semáforo estava vermelho mas o homem não tinha tido tempo de reparar em nada e continuado a correr. Os carros buzinaram, as pessoas gritaram, mas o homem não ouvira nada. Teria chegado à esquina seguinte e, com tanta pressa, continuado a correr em frente, atravessando uma casa.
Bandida said...
A orquestra continuou o ensaio sem o saxofonista que tinha ido à Brasileira encontrar-se com um amigo. Aproveitou para cumprimentar o Pessoa que já não via à alguns minutos e esqueceu-se dos cigarros na mala de Alfreda. Voltou ao teatro e reparou que era um bar. O bar da alternadeira que ficou com asma depois de tantos cigarros consumidos na espera do alçapão dos medos. O alçapão dos medos era um enorme jardim que ficava para os lados das Laranjeiras e onde se confrontavam diariamente poetas e artistas de todas as artes que por desgosto se entregaram à vida como se a morte existisse sem pressa. Logo ali percebeu que a pressa era importante e que nunca ninguém o tinha percebido. Mas, precisava de encontrar a mala de Alfreda para os cigarros.
Esfregou os olhos, olhou mais atentamente e reparou que Alfreda não era Alfreda mas sim, Sophia Loren. Não , não era verdade. Não podia acreditar que era Elizabeth Taylor. Não podia acreditar que era Gina Lollobrigida. Não! NÃO!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
Continua... nos "comments"
“...um homem que tinha tanta pressa que desejava não necessitar de nenhum tempo para nada. De manhã saiu a correr de casa e apanhou o autocarro, mas o autocarro demorava muito a chegar. Na paragem seguinte o homem saiu e pôs-se a correr à frente do autocarro. No cruzamento o semáforo estava vermelho mas o homem não tinha tempo de reparar em nada e continuou a correr. Os carros buzinavam, as pessoas gritavam, mas o homem não ouvia nada. Tinha chegado à esquina seguinte e, com tanta pressa, continuou a correr em frente, atravessando uma casa. Uma família estava....
(© Ursula Wolfel)
pinky said...
Uma familia estava sentada, e não tinha pressa para nada.
Não tinha pressa para viver, não tinha pressa para sorrir, não tinha pressa para sentir.
A famila que não tinha pressa, ficava.
Um corvo surgiu do nada....
mariatereza said...
do nada da familia sem pressa. Empoleirou-se sobre o ombro esquerdo do homem gritando-lhe aos brados: Jamais chegarás! Jamais chegarás! Jamais!
Ana Paula said...
Entretanto, ele senta-se muito depressa e põe-se a pensar mas depois pensou que não podia ter tempo para coisas tais pois ele vivia depressa demais.Porque o tempo passa depressa. Arrancou os pensamentos da cabeça e deitou-os fora enquanto corria desalmadamente para ir almoçar. Mas como um almoço leva tempo, decidiu juntá-lo com o jantar.
mag said...
Seria um daqueles jantares com sopa e gravatas e tudo! Daqueles que sé se tem aos fins de semana em que o céu pintado de cor de rosa como numa fotografia antiga nos faz lembrar os romances de Verão. Iria tentar um jantar que fosse uma rima de todos os outros momentos que lhe ficararm marcados desde sempre. Aqueles momentos com céus cor de rosa e que com o passar dos anos se transformam em momentos azul bébé. Talvez assim conseguisse acalmar o que lhe ia na alma
Ouriço said...
E assim fez. Afinal, uma refeição sempre demora menos tempo do que duas. Avidamente, engoliu um pacote de leite, duas fatias de carne assada e um tomate suculento. Isto porque, para quem não sabe, os corvos adoram ler Os Cinco e sempre se inspiraram nos piqueniques maravilhosos que eram feitos pelo grupo, quando das investigações. Este corvo não era excepção.
O Pai said...
Enquanto jantava, alguém tocou à campainha de casa. Ficou com muitas dúvidas. Como iria gastar o próximo minuto? Abria a porta e perdia o tempo do jantar, ou jantava e perdia o tempo para abrir a porta e saber quem o procurava. Ele decidiu ...
Rita said...
...poupar tempo e abrir a porta enquanto terminava a sua banana. Não poderia falar, assim de boca cheia, a banana metade fora- metade dentro. Mas talvez não fosse necessário, o carteiro pediu-lhe apenas uma assinatura. Em troca dela, recebeu uma carta, de correio azul, como ele gosta.
M said...
Da porta começou a verter o veneno destilado pacientemente ao longo das intermináveis noites de insónia. Os ratos descomunais que acabavam de devorar os restos da refeição aproximaram-se, curiosos e atentos, demasiado habituados ao choro hipócrita dos traficantes de ópio para darem qualquer crédito ao torso decepado que esperava pacientemente a sua vez.
A jovem assassina, envergando o seu vestido de minúsculas flores mimosas e primaveris, fez uma aparição completamente inesperada e mesmo um pouco incómoda, já que não parara de avisar, no decorrer de toda a manhã, que em sendo meio dia em ponto se ia suicidar, lançando-se ao rio e não estaria de regresso antes do final da tarde, hora a que o saxofonista deveria já estar de posse dos duzentos pares de sapatos e, portanto, pronto a dar início ao massacre.
Ouriço said...
Arrumava os sapatos de maneira tão metódica, que os bichos do pó tinham medo de entrar no seu closet-especial-para-sapatos-paranoicamente-arrumados. Foi difícil prepará-los para aquele dia. Os seu duzentos "meninos" atirados brutalmente para dentro de sacos vileda de 100 litros, verdes e sem elástico a servir de fecho. Terminada a tarefa, seguiu caminho.
S. said...
A carta.
Sem coragem para a abrir, decidiu esperar... agora a pressa não era nenhuma. Que diria Alfreda? já não tinha notícias de Alfreda há mais de 1 mês..."não pode ser nada de bom...". Olhou, demoradamente para o rectângulo azul, uma coisa era certa já não estava em Nova Iorque, o selo era Indiano e o carimbo de Bombaim.
Meteu a carta no bolso do fraque e saiu.
intruso said...
Saiu com tanta pressa que no fundo não era pressa nenhuma... e esqueceu-se de tudo; da pressa que não tinha, do fraque que afinal não tinha vestido, da carta de correio azul que meteu no bolso do fraque e que ficaram afinal esquecidos em casa...
Não tinha notícias de Alfreda há mais de um mês, pelo que poderia ficar sem notícias dela durante mais umas horas...
Na rua estava um dia calmo, com aguaceiros ácidos mas pouco turvos. Quase conseguia ver a lua do meio dia, atrás do halo fosforescente, bem como a sua sombra gigante em forma de botão projectada sobre os prédios de papel, sobre as flores monstruosas de ferro acima de si e sobre as hydras que engoliam humanos...
Um dia quase calmo, não fosse aquela ameaça (...)
Ouriço said...
A ameaça do inexplicável. O desaparecimento daquela mulher, de olhos castanhos e grandes, logo naquele dia?
Eduardo P.L. said...
Pegou o rumo do heliporto, sem se preocupar com o número enorme de sapatos femininos que levava. Embarcou, e saiu rumo as montanhas cobertas de neve. Acharia , Alfreda, ainda antes do anoitecer. O vôo foi tranquilo apesar do vento forte e do incomodo barulho do rotor das helices. Foi nesse momento que se lembrou...
isabel victor said...
Nessa noite ... dormiu com a carta debaixo da almofada.
pela prmeira vez, em tantos anos, não tinha pressa ...
sentia-se estranho ...
às vezes Ele, às vezes Ela said...
Passou com as mãos nos seus pés. Estavam maltratados. Passavam largos meses desde que deles tinha ido tratar. Sempre tinha tido um fetiche por pés arranjados, como os dela, que beijava de ternura. Acendeu a luz. Passava pouco das quatro. Bebeu água e resolveu abrir a carta:
"-Afinal, resolvi escrever-te (...)
M said...
E era tudo. Mas por que é que alguém escreve uma carta para dizer "Afinal, resolvi escrever-te"? Colocou a folha contra a luz. Poderia haver mais alguma coisa escrita. Provavelmente. Em tinta talvez simpática. Para dizer "Afinal, resolvi escrever-te" não era necessário mandar uma carta. Ou seja: um envelope, talvez. Não era necessária a folha. Ao escrever o envelope, com o nome e a morada (e, para mais, em correio azul, como ele gostava), já estava a dizer isso mesmo: "Afinal, resolvi escrever-te".
Aspirou o perfume da folha. Encerrava, bem fundo, um aroma vago a casas fechadas, a criptas, talvez. Em última análise - e se tivessemos em conta o rastejar sinuoso do discurso do vigilante da passagem de nível que sorvia o ar em golfadas curtas e dolorosas, ao mesmo tempo que cortava as unhas dos pés - a carta poderia não querer dizer que "Afinal resolvi escrever-te"...
Lauro António said...
Recebi a carta sem surpresa. Afinal já a vira escrever cartas em circunstâncias muito mais difíceis. Desta feita não foi quase necessário lê-la. Abri-a sem sobressalto. Desdobrei o papel, reconheci a letra miudinha, a tinta violeta, o cheiro a rosas secas, e depois as palavras, arrumadas, lado a lado, sem inovação, apenas a coerência da repetição, se coerência há na repetição.
Que dizia?
Ri-me discretamente.
Voltei a dobrá-la e não a devolvi ao envelope. Repousa agora em cima da minha secretária, ao lado do missal e do candeeiro de pé alto.
Um candeeiro de um só pé, perguntou Agripina? É verdade, querida, um só pé, resultado das bombas na batalha de La Lys, donde veio perneta e gazeado. Olhei em redor e vi a família estupefacta. O Rui entretinha-se a mascar gomas, e a Carlota enrolava num dedo as madeixas do cabelo louro. A avó Margarida tossia, enquanto comia a sopa. Assoprava a cada nova colherada, depois sorvia o caldo, com um ruído curioso que deixava a Justina exasperada.
A avó olhava-a, interrompia o assobio sibilino. e explicava: "São os dentes, minha filha, os dentes!"
Mas não eram os dentes, era a falta de dentes que ela queria referir. Os dentes tinha-os ela deixado, há anos, durante uma sessão de sexo oral mais entusiástico. O Marcelino da Pharmácia Esmeralda que o diga. Que o diga toda a aldeia de Vivendinhas de Baixo, concelho de Cedufeitas e Porfazer, no lugar de ver-os-rios-a-correr-para-o-mar.
Foi assim que no ano da graça, Jeremias, o Vindouro, se suicidou colocando o pescoço sobre o carril do comboio. Esteve oito anos, sete meses e dois dias à espera da inauguração da linha, mas quando o primeiro comboio circulou na região ficou para sempre com o nome inscrito na lenda. Depois dele, vários Jeremias, os Passados, tentaram bater o recorde, mas sem resultado. Apenas Maria, a Torradinha, (torradinha era nome que lhe puseram por ela andar sempre envolvida em manteiga, desde muito pequenina!) consegui algo semelhante em toda a redondeza. Mas era coisa que se mantinha em segredo, pois ninguém, em Pinhais de Parede, parecia estar interessado em devolver a palavra …
Palavra de honra, disse o Senhor Prior, e caiu fulminado.
Quem havia de dizer? Um Senhor Prior sempre tão aprumado, tão arrumadinho. Tão orgulhoso da sua batina, esmeradamente lavada com o Tide da mana Eusébia.
Pois é, minha filha, seu arrumadinho não quer dizer nada, pensou o jornalista Euleutério, mas não disse. Guardou a deixa para a folha de alface onde colaborava regularmente. Difícil porém era escrever numa folha de alface. O Pirulito da área bem que tentara, tentou com uma cenoura, com um aipo, até com uma beringela, mas nicles, e nisto batem à porta.
Tenho de ir abrir…
Ana Paula said...
"Tenho de abrir que tenho pressa. Uma alface espera por mim para fazer uma hedionda salada que me há-de matar com toxoplasmose." Mas ele até de morrer tinha pressa e deu o caso por encerrado. Fez a salada, comeu e esperou apressadamente p'la morte. Que não veio porque também tinha pressa e se foi dali para outro lugar onde tudo já estava mais resolvido. Acho que foi para a Terra do Nunca, onde nunca conseguiria ser morte.
Entretanto o outro, o homem com muita pressa, já se tinha deitado para dormir mas apressado logo acordou, dormir era uma perda de tempo e acordado girou como um peão, rodando interminavelmente, escapou-se de casa para o espaço, onde encontrou o Peter Pan que finalmente o acalmou e o fez parar para tomar um cházinho com a Sininho. Ou não fosse a fantasia a única forma de não ter pressa... Até porque a pressa é inimiga da perfeição.
S. said...
nock, nock, nock...
ouvia um som seco e forte longe, longe, longe...
de repente acorda sobressaltado! Acabara por adormecer ainda com a carta na mão e dobrado sobre a secretária. Sempre que bebia um pouco à refeição dava nisto, caía quem nem um tordo e sonhava com histórias infantis... sonhos disconexos e com o passado, a sua família. Passado? que passado? A memória traía-o desde o acidente que tivera há dois anos. Nunca mais foi o mesmo, até porque não tinha documentos e ninguém deu pela sua falta. Um John Doe à portuguesa. Restava-lhe sonhar com desconhecido tão desejado.
nock, nock, nock
continuavam a insistir:
"POLICIA! Abra a porta é uma ordem!"
pinky said...
ele tremeu...
pensou ser mais um pesadelo
serrou os olhos com força e disse para si mesmo....acorda!
- nock nock nock
não podia ser...o som continuava, a ordem era a mesma....
- Policía, em nome do Rei abra a porta!
Rei?! Qual Rei? Mau....ou acordo ou tenho que me atirar da cama abaixo para sair do pesadelo...
- nock nock
Pronto lá tenho que cair da cama....concentrou-se, fez muita força e atirou-se....
o impacto súbito com o chão que esperava não aconteceu, sentiu-se flutuar....resolveu abrir os olhos e viu....caía em queda livre em direcção a nada....mas segundos depois viu....
Sibila said...
Viu que flutuava entre poeiras estelares e as cores do arco-íris entrelaçavam-se no seu corpo. Mas era tudo ilusão, pois de repente estava a ser engolido pela baleia maior que já tinha visto. Por incrível que pareça, dentro dela encontrou o Pinóquio. Sentado numa cova especialmente confortável da barriga da baleia-monstro, da qual fez poltrona, teve uma bela conversa com ele. Discorreram sobre inúmeros temas mas o mais polémico foi o das vantagens e desvantagens da mentira, considerando o tamanho desmesurado do nariz do Pinóquio. Não parava de crescer e ameaçava perfurar a barriga da baleia a qualquer momento...Ele viu ali uma hipótese de fuga para retornar ao ponto onde tinha ficado: caído da cama aos trambolhões, sem sentir a queda que também nunca tinha chegado a acontecer, parecia... E a porta que nunca mais era aberta!
Esta tremenda lentidão que se fazia acto inacessível recordou-lhe o castelo de Kafka. É que nunca mais lá chegava, nem à porta nem ao castelo. Talvez devido a burocracias, não sabia. Certo, certo, tinha sido desleixado e não tinha renovado o bilhete de identidade. Talvez por isso o procurassem, para lhe devolver uma qualquer identidade.
Tentou, então, estender a mão para abrir a porta. Foi quando em vez de se abrir, se virou contra ele e tráz!, bateu-lhe em cheio na cara. Voltou às estrelas e dormiu que nem uma pedra. Às vezes, é melhor não tentar abrir certas portas. Mas quem quiser, pode continuar a tentar... Alguém vai abrir?
dora said...
Parece que não!
Por isso, e porque já estava muito farto de estrelas, não teve outro remédio se não fazê-lo ele. Levantou-se. Estendeu a mão e, sem mais nada, a porta abriu-se, escancarada. "PORTA PARA O NADA", estava escrito por detrás.
- Porta para nada? - perguntou-se ele, ainda meio estrelado - Para que é que serve uma porta para nada? Uma porta para nada não deve servir para nada!
- "PARA O NADA", estúpido!- gritou a porta. - Irra, és mesmo mais estúpido que uma porta!
- Ahhhhh! - disse ele a ver se passava. E sim, a porta - que por ser porta não podia ser muito inteligente, deixou-o passar.
Então é que foi: O NADA - mesmo nada, nadinha nadica de nada - não era nada como ele tinha pensado durante toda a sua vida: não era nada transparente, nada vazio, não ia dar em nada, nem sequer era um lugar para nadar. Então, reajustou os pensamentos e......
Lauro António said...
- Tchiiiii, disse Rafael, ou pensou, ninguém sabe dizer ao certo o que aconteceu.
Deu meia volta e foi-se embora. Estava farto de fazer figura de parvo, e tinha visto, num ápice, que não estava ali a fazer nada.
"Eles que se amanhassem." Era para isso que eram pagos.
Se tinham que descobrir a vítima, o crime e o criminoso, que o fizessem sozinhos.
Rafael, que ia só a passar, assobiou para o lado, meteu as mãos nos bolsos das calças, e foi à vida, que a morte é certa.
"Dizem!"
- "Foi nessa altura que lhe caiu a viga de metal em cima dos cornos e o mandou para os anjinhos", disse Mendonza, do cartel de Medellin.
_"Abres a carta ou não meu cabron!?" e mostrou o revólver que tinham na mão e lhe apontava à cabeça.
Rufino Fino, que tinha saído das ruínas do Carmo, olhou para a Chaimite que está à porta do Convento, e rezou entre dentes: "Virgem Santíssima! Quem havia de dizer!?"
Foi o bastante para Don Quichote, que ia a passar para a Fnac do Chiado, lhe estender a lança. Rufino olhou, viu, meditou, agarrou no donut e pendurou-o na lança. Nem 30 segundos (qual 30 segundos!, nem 20! qual 20 segundos!, nem 10 segundos!) ali esteve o donut. A voracidade de Pancho Villa era proverbial. “Arriba!, Arriba!” e seguiu depois de se lambuzar todo de açúcar em calda…
Falta aqui alguma coisa, pensa o autor.
Carmenzita atalhou: - “Falta aqui uma ceifeira?”
- “Será? Uma ceifeira dava jeito.”
- “Ceifeira ou não ceifeira, o que falta é uma gaja!”, disse o zarolho.
Estava com cio deste o Inverno passado. Tiritava de cio. Ou seria… de frio?
- Hei!, gritou o alferes, Frio ou cio?
O Zarolho detestava intromissões de militares:
- “E se fosses para a coisinha da tua mãe, ó larila?”
Nesta altura o fagulha reagiu: - “Ò larila olé!”
hfm said...
E do lado surgiu o silêncio feito pessoa - esquálido, firme, dominador.
Ouriço said...
Subiu então a Rua Garrett. Sentia fome mas a Benard já não era a mesma de antigamente e teve preguiça de descer até à Confeitaria Nacional. Desejou que um dia houvesse algum blog para contar a sua história, um cineasta para fazer o filme da sua vida e continuava cheio de fome. A perna doía-lhe e não tinha o maldito comprimido.
Foi então que a viu. Sentada no colo do Fernando Pessoa petrificado. Alfreda. Fumava um cigarro pensativo, qual personagem queirosiana. E chorava. Cobria-a uma pachemina vermelha, trazida de Bombaim.
Voltara. Trazia os olhos castanhos, grandes e distantes.
O encontro. Finalmente o encontro.
O Pai said...
Neste momento, Luís (um professor universitário envolvido em escandalos) dava por concluida a leitura nocturna, de livros fantásticos, ao seu filho Frederico.
- Fred, já são horas de dormir. O livro que escolheste é estranho e dá muitas voltas. Dorme bem. Não te esqueças de rezar o Pai Nosso.
- Obrigado Pai. Só espero não ter pesadelos esta noite. Até amanhã.
Frederico aproveita a lanterna que tinha recebido de presente no Natal e decide continuar a leitura do seu livro fantástico. Porém descobre que quando todos esperavam o encontro com Alfreda, surge um ataque terrorista que destroi a cidade. Alfreda decide mostrar que as mulheres estão disponiveis para tomar conta do mundo, afirmando "Enterrem-se os mortos e cuidem-se dos vivos"...
MRF said...
Os vivos criaram uma sociedade de mulheres que não era uma sociedade transbordante de feminidade ou maioritariamente composta por mulheres - na verdade, o que havia mais era ratos- mas uma sociedade que existia para além da guerra dos sexos e das lutas por direitos que já não tinham sentido. Com o terramoto as cidades desapareceram e com elas o Estado, pelo que o direito ao voto ou à igualdade de oportunidades rapidamente passou a fazer parte de uma vaga memória, estranhamente agitada, que se revelava apenas em sonhos e nunca em encontros entre escombros, e menos ainda ao pé da estátua da jovem assassina, onde Alfreda descobria todos os dias mais uma série de minúsculas flores enquanto lia a inscrição: "ao meio dia suicidou-se", estátua erguida por amigos do saxofonista que, face à catástrofe, não puderam deixar de crer que aquela morte teria sido um indício e o seu anúncio prévio, insistente, um aviso.
"Eu tinha tanta pressa", disse um homem sentado do outro lado da estátua. Vestia um fraque preto e falava com o que parecia ser um corvo. Pousado no seu ombro, o pássaro debatia-se com um envelope que lhe tapava a cabeça. A cada movimento da ave, soltavam-se palavras que caiam como sapatos aos pés do homem. Alfreda aproximou-se..
Ouriço said...
Aproximou-se, suja pelos escombros do terramoto que se tinha seguido ao ataque terrorista. Olhou as pequenas flores. Viu o corvo e lembrou-se do delírio que alguém tinha tido com o bicho. Não passava pela cabeça de ninguém imaginar o corvo a ler Os Cinco...
Encarou o homem da pressa e decidiu que naquele momento lhe iria explicar porque fugira dele. Porque partira para Bombaim no dia daquela festa, tão importante para ambos.
Joao said...
Para Bombaim? "Raios, teria mesmo sido Bombaim?" ou teria novamente passado pelo mesmo portal imaginário que lhe permitira uma vez e outra visitar a idade média? Imaginário? podia ainda sentir os aromas e os cheiros. sobretudo, a diferença no ar puro que respirara, completamente diferente daquele, em que vivia actualmente. ou que julgava viver.
tudo lhe parecia demasiado confuso.
meteu a mão no bolso à procura dos comprimidos,que como sempre lhe deveriam trazer de volta à realidade.
mas nisto, ouviu algo..
Cuga said...
Á sua frente uma pessoa sem rosto estava debruçada sobre o seu corpo... Ouvia vozes ao longe, como se estivesse a despertar de um coma interminável, mas não reconhecia a pessoa, não reconhecia a língua que falavam e não encontrava as palavras que perguntavam: "quem és, onde estou?" No silêncio, voltou a fechar os olhos e a ser transportado pelo torpor do sonho,
ao som de uma máquina que apitava continuamente piiiiiiiiiiiiiii......
Ouriço said...
Subiu então a Rua Garrett. Sentia fome mas a Benard já não era a mesma de antigamente e teve preguiça de descer até à Confeitaria Nacional. Desejou que um dia houvesse algum blog para contar a sua história, um cineasta para fazer o filme da sua vida e continuava cheio de fome. A perna doía-lhe e não tinha o maldito comprimido.
Foi então que a viu. Sentada no colo do Fernando Pessoa petrificado. Alfreda. Fumava um cigarro pensativo, qual personagem queirosiana. E chorava. Cobria-a uma pachemina vermelha, trazida de Bombaim.
Voltara. Trazia os olhos castanhos, grandes e distantes.
O encontro. Finalmente o encontro.
O Pai said...
Neste momento, Luís (um professor universitário envolvido em escandalos) dava por concluida a leitura nocturna, de livros fantásticos, ao seu filho Frederico.
- Fred, já são horas de dormir. O livro que escolheste é estranho e dá muitas voltas. Dorme bem. Não te esqueças de rezar o Pai Nosso.
- Obrigado Pai. Só espero não ter pesadelos esta noite. Até amanhã.
Frederico aproveita a lanterna que tinha recebido de presente no Natal e decide continuar a leitura do seu livro fantástico. Porém descobre que quando todos esperavam o encontro com Alfreda, surge um ataque terrorista que destroi a cidade. Alfreda decide mostrar que as mulheres estão disponiveis para tomar conta do mundo, afirmando "Enterrem-se os mortos e cuidem-se dos vivos"...
MRF said...
Os vivos criaram uma sociedade de mulheres que não era uma sociedade transbordante de feminidade ou maioritariamente composta por mulheres - na verdade, o que havia mais era ratos- mas uma sociedade que existia para além da guerra dos sexos e das lutas por direitos que já não tinham sentido. Com o terramoto as cidades desapareceram e com elas o Estado, pelo que o direito ao voto ou à igualdade de oportunidades rapidamente passou a fazer parte de uma vaga memória, estranhamente agitada, que se revelava apenas em sonhos e nunca em encontros entre escombros, e menos ainda ao pé da estátua da jovem assassina, onde Alfreda descobria todos os dias mais uma série de minúsculas flores enquanto lia a inscrição: "ao meio dia suicidou-se", estátua erguida por amigos do saxofonista que, face à catástrofe, não puderam deixar de crer que aquela morte teria sido um indício e o seu anúncio prévio, insistente, um aviso.
"Eu tinha tanta pressa", disse um homem sentado do outro lado da estátua. Vestia um fraque preto e falava com o que parecia ser um corvo. Pousado no seu ombro, o pássaro debatia-se com um envelope que lhe tapava a cabeça. A cada movimento da ave, soltavam-se palavras que caiam como sapatos aos pés do homem. Alfreda aproximou-se..
Ouriço said...
Aproximou-se, suja pelos escombros do terramoto que se tinha seguido ao ataque terrorista. Olhou as pequenas flores. Viu o corvo e lembrou-se do delírio que alguém tinha tido com o bicho. Não passava pela cabeça de ninguém imaginar o corvo a ler Os Cinco...
Encarou o homem da pressa e decidiu que naquele momento lhe iria explicar porque fugira dele. Porque partira para Bombaim no dia daquela festa, tão importante para ambos.
Joao said...
Para Bombaim? "Raios, teria mesmo sido Bombaim?" ou teria novamente passado pelo mesmo portal imaginário que lhe permitira uma vez e outra visitar a idade média? Imaginário? podia ainda sentir os aromas e os cheiros. sobretudo, a diferença no ar puro que respirara, completamente diferente daquele, em que vivia actualmente. ou que julgava viver.
tudo lhe parecia demasiado confuso.
meteu a mão no bolso à procura dos comprimidos,que como sempre lhe deveriam trazer de volta à realidade.
mas nisto, ouviu algo..
Cuga said...
Á sua frente uma pessoa sem rosto estava debruçada sobre o seu corpo... Ouvia vozes ao longe, como se estivesse a despertar de um coma interminável, mas não reconhecia a pessoa, não reconhecia a língua que falavam e não encontrava as palavras que perguntavam: "quem és, onde estou?" No silêncio, voltou a fechar os olhos e a ser transportado pelo torpor do sonho,
ao som de uma máquina que apitava continuamente piiiiiiiiiiiiiii......
as velas ardem ate ao fim said...
estava a ver televisao.Ninguém deu por ele correr habituados que estavam a estar distraidos consigo proprios.Ele correu, correu e correu até que parou...Olhou em volta e tudo era verde.Onde estava?
S. said...
...estava num estádio de futebol, mais precisamente numa transmissão televisiva de um final da taça de Portugal.....
kkkkzzzzzz.....kkkkzzzzzz....
""AVARIA!!! AVARIA!!! ERRO NO TELETRANSPORTE!!!! ERRO!!! ERRO!!!""
De facto, o seu destino era uma "sala" de espectáculos mas não essa, a avaria da máquina foi ultrapassada, o erro corrigido... finalmente no S.Carlos.
A responsabilidade de um primeiro violino é grande e por pouco não chegava a tempo ao último ensaio, antes da tão esperada ante-estreia. Madama Butterfly, com remix dos Da Weasel, na Comemoração dos seus 50 anos de carreira.
TOC TOC TOC
(o ensaio vai começar....)
Joaquim Amândio Santos said...
e o silêncio era tudo quando os ouvidos almejavam escutar.
retesavam-se músculos, na ânsia de consumir o retinir de cordas, o sopro de metais e a força exalada por cada instrumento de percussão.
no meio da floresta de músicos, sentia-se a ausência da vontade individual, no preciso instante em que cada um se preparava para fazer parte de um todo.
As rugas que contornava a face exerciam uma feliz união com os fartos cabelos brancos que, já nas suas pontas, exerciam o mandato de um manto protector sobre os ombros de corcunda do maestro, protegidos por um casaco andarilho de inúmeros ensaios em outros tantos lugares, espalhados por sítios tão diversos quantos os momentos.
Desajeitado no andar, lento no percurso, assumiu a posição.
agora era a hora da música.
esse fino momento em que as fronteiras da vida vão para lá da superfície.
Eduardo P.L. said...
Pegou a caixa do violino, abriu-a e qual não foi o seu susto ao notar que no lugar do violino..
JPS said...
Antes de começar a interpretação pousou o ipod, retirou o pequeno rádio que comprou numa loja chinesa e sintonizou. Queria acompanhar o relato durante a actuação, o que não era difícil pois já não era a primeira vez que as óperas eram à mesma hora que a Liga dos Campeões.
O ensaio tinha começado, a primeira parte foi perfeita, mas ao intervalo reparou que Alfreda estava na plateia, sozinha, esbelta e com uma cor de pele invejável (tinha passado uma temporada na Tailândia). Queria ir falar com ela…
Ouriço said...
Alcaçou Alfreda e convidou-a para cear, depois da ópera. Chegaram ao Snob. Pediram um bife com batatas fritas. Beberam cerveja.
Finalmente depois de tantos desencontros, ele confrontou Alfreda. No dia em que desapareceu, faria a sua operação. Desde sempre quisera mudar de sexo. Ele nunca compreendeu o seu desaparecimento e nunca compreendeu se a cirurgia tinha sido feita. A ignorância estava a enlouquecê-lo....
Joao said...
contudo, Alfreda nunca tinha contado o verdadeiro motivo da operação. desde pequena que seu avô lhe tinha falado que na sua família havia alguém com vocação para o contacto para "outro mundo".
daí e escondendo de tudo e de todos, foi a Bombaím à procura do seu terceiro olho. e com o Dr. Chamuces, descobrira-o sob a sua omoplata esquerda. agora mais do que nunca era diferente de todos os outros neste mundo.
e por isso, agora que estavam juntos, depois do comer mais um croquete no Snob, e tendo a plena confiança nele, lhe disse:
O Pai said...
...
Frederico que lia a história assustadora do livro do Senhor que estava sempre cheio de pressa e de Alfreda a sua amiga (homem/mulher/alien/outro) acabou por adormecer.
Estava demasiado cansado, e mesmo a excitação causada por tão interessante história foi vencida.
Nessa noite nem chegou a sonhar.
De manhã, qual a sua surpresa quando reparou que a sua mãe, antes uma senhora baixinha, gorda e um pouco velha, parecia a assassina que se tinha suicidado ao meio dia. Afinal, a Mãe de Frederico (Carolina), designer de profissão e alternadeira à noite por opção, parecia muito mais jovem envergando o seu vestido de minúsculas flores mimosas e primaveris. . .
Rita said...
... e lantejoulas vermelhas.
Tinha sido uma noite longa, com 5 clientes e uma equipa de futebol da Primeira Divisão, com suplentes, presidente do clube e árbitros incluídos.
O cheiro a tabaco e sexo impregnado no cabelo não a deixava apreciar devidamente o sabor da chávena de café.
Foi só quando deixou o corpo descansar sobre o balcão da cozinha que viu o olhar espantado do filho.
Ouriço said...
O filho estava com cara de sono. Eram 5h00 da manhã. Quando a viu, gritoun:
- Mãezinha, não te apagues. Preciso do dinheiro dos ténis que me "prometestes" dar hoje!
- Toma filho.
Lá se vai a conta da luz. Que vida a minha.
O filho seguiu caminho. Carolina pegou no telefone e tentou, novamente, falar com Alfreda.
Ana Paula said...
Espantado com o seu ar desligado da realidade. Pensou num bom banho que a purificasse de toda a poluição mental a que costumava assistir. Assim fez, mas descuidada, adormeceu,e pior que isso: afogou-se. Mas era tudo imaginação. Recordou Alexandria e os rostos esfíngicos que tanto a perseguiam à noite, mergulhados no torpor do desejo. Recordou o gosto do sal, da areia quente e escura, dos luares banhados de mar e das vozes graves perpassadas de mistérios indecifráveis. A pressa tinha desaparecido da sua vida, tal como da daquele homem que tinha encontrado um dia, já não sabia onde... Agora, era a lentidão, como a daquele livro do Kundera. Vestiu-se como quem se dirige aos subterrâneos da memória... Um vestido de cores profundas e vibrantes, em tons de vermelho incandescente. Por cima, um casaco quente de cashemira. Nos bolsos, a embriaguez do sonho chamava por ela. Já nada fazia sentido, nem mesmo esta ideia de recordar.
Saindo para a rua, deparou-se com uma menina de olhos devoradores. Estendeu-lhe a mão e com ela percorreu as ruas desertas, sem nome. Nâo tinha destino nem queria que lho dessem. Parou debaixo de uma árvore frondosa e juntas sentiram a brisa fresca da noite, enquanto um cego tocava num acordeão. Pensou deixar-lhe ficar uma moeda, mas nem isso tinha. Na mão, apenas aquela mão pequenina de uma menina franzina, de olhos esbugalhados. E o cego sem moedas... Vale a pena dar? Uma moeda poderá restituir-lhe um pouco de visão?
legivel said...
... não. Nem lhe restituiria a visão e pior: atrasaria a revolução que haveria de vir.Sim que neste conto a muitas mãos e alguns pés, vivia-se num clima de medo e suspeição. Muito meeeeedo mesmo. À séria.
mag said...
E assim não podia ser. Ele recusava-se a que assim fosse!
Ouriço said...
Dele nada se sabe mas quanto a Carolina, depois de ter visto tanta desgraça, animou-se. Cansada de neura, Carolina voltou a tentar contactar Alfreda, que depois da noite passada na conversa com o homem-pressa, se sentia aliviada. Ele tinha entendido bem as suas razões. Carolina decidiu mudar de vida. Continuava com os seu laboroso design e abandonaria a vida nocturna.
legivel said...
... recusava-se mesmo! Não era o falar pelo falar... e isso ficou demonstrado quando deste vez foi assediado por um homem sem uma perna e que tocava saxofone. Por acaso nem tocava mal de todo, mas aquela mania de interromper o "E depois do adeus" e lhe pôr à frente dos olhos a latinha da ordem... Também não levou nada, claro. Só lhe faltava a ceguinha da rua Augusta a cantar o fado...
M said...
Pelo menos esse foi o seu primeiro impulso, mas rapidamente desistiu quando Alfreda começou a estrebuchar de uma forma verdadeiramente histérica. Ela desconfiara de que isso poderia vir a acontecer assim que a vira com aquele vestido vermelho profundo, pois sabia que essa cor dsencadeava nela reacções extremas, principalmente ao nível do menisco.
Com Alfreda a profundidade não podia de forma alguma ser obtida através do vermelho profundo de um vestido. Nunca tal acontecera e certamente não ia começar agora a acontecer, precisamente neste ano em que se comemorava o centenário do maestro e em que a encenação da ópera se tornava verdadeiramente inevitável, sob pena de despertar a ira da gorila adormecida.
Por isso ele insistira tanto nos duzentos pares de sapatos. Era uma decisão sensata, que seria bastante acessível a todos os intervenientes e que não traria os problemas que surgem sempre quando se tem de recorrer ao... ele nem queria mencionar a ameaça terrível! Mas a verdade é que o morcego andara por ali a pairar naquela tarde, com o seu manto roxo, invocando o grande ser. Valeria a pena tentar a profilaxia?... Ou seria já tarde?
Lauro António said...
_ Tchiiiii, disse Rafael, ou pensou, ninguém continua a saber dizer ao certo o que aconteceu.
- Tchiiiii, estes marmanjos não sabem o que dizem. Ando eu nisto da instrução para adultos para acontecer uma coisa destas. Não sabem o que dizem é o que é. Perde-se não só o latim, como o grego…
- O grego? Estás-te a meter comigo, oh sacripanta? Olha que comigo ninguém se mete. Com o Herodes já sabes: ou te calas…
Interrompendo: - Cuidado que há aqui Senhoras!
- Senhoras num vejo… Aqui só há miragens, e as miragens são como os anjos, assexuadas…
- Porra!, se isso é assim, vou ali e já volto.
- Fazes bem, oh Juvenal. A vida são dois dias…
E assim foi. Juvenal viu passar o primeiro dia, depois adormeceu, e ao acordar já tinha morrido, pois dormira, directo, sem paragem para ninguém descer ou subir, mais de 24 horas.
- Gosto, gosto sobretudo do Sutherland, disse o Pachá esfregando a coronha com pedra pomes. Esse gajo é cá dos meus – 24 horas chega para ir ali e voltar. Tá tudo dito, meu!
Dá mais 5!
O Chouriço Prateado bateu na mão e continuou a bater encostado à parede. O seu passatempo preferido era bater, bater uma, bater duas, bater três de seguida, sempre na mesma porta… até ela se ouvrir.
(- Raios parta o Chouriço Prateado, sempre com a mania do franciu! Ou será italianu?).
Vai daí, bate mais uma, bate menos uma, e a Moira aparece, muito viscosa (viscosa? Não será vistosa?).
- Vens do trabalho ou vais para o trabalho?, perguntou o Senhor Doutor Marques Rodrigues., que era homem de poucas falas, mas que quando falava, acertava na mouche. (- Lá está ele com o inglius!; não pára de gaguejar em estrangeiriu!).
- Fazes o fazer de te calar? Deixa o Doutor falar que o pai tá mal.
- Ok, ele que fale.
Doutor: - O pai tá mal…
- Vês? Eu não te dizia, o pai tá mal…
- O pai tá mal? Mas que vem a ser isso? Qual pai? Mal de quê? E onde tá o Doutor? Isto tá é tudo amalucado, querem lá ver…
- Ver o quê?
- Ver o quê o quê?
- Ver o quê!
- O quê?
- Sim, o quê! Nunca viste o quê?
- Não, disse o Jerónimo.
- Bem, vocês esperem ai. Até agora estava a perceber tudo, mas agora fiquei roxo. Quem é o Jerónimo?
Olharam-se todos, uns aos outros. Pensaram: - Não sabe quem é o Jerónimo. Fracote, não percebe mesmo nada destas coisas de cadáveres esquisitos…
- Claro que é esquisito. Morreu congelado com veneno de ratos… (“A Suivre… quando me der na real gana”, disse o Mentecapto, e pirou-se).
- Eisss! Vais embora e deixas isto assim?
- Olha quem vier atrás que apague a luz…
Lauro António said...
Fui eu. Que azar dos diabos! Tinha de ser eu a apagar a luz, disse o pirilampo mágico.
M said...
Soou o alarme geral e bloquearam-se todas as portas. As defesas organizaram-se rapidamente. Não utilizar os elevadores. Puxar uma máscara para as crianças ao seu lado. Não entrar em pânico. A sofisticada rede de segurança deposletou todos os mecanismos e nem uma mosca foi autorizada a sobrevoar o teritório. A ameaça era terrível. Um alienígena entrara subrepticiamente nos domínios privados e usurpara num acto de profunda inconsciência, a identidade de um flet-flic, um elemento da guarda de elite ao serviço do povo e das instituições respeitáveis.
Simulando uma sofisticada personalidade que manifesta o seu desgosto por fluidos de cor suspeita, consistência suspeita e sabor suspeito, fez seguir a trama com um impulso imeditamente detectado como não legítimo. As autoridades atentas detectaram a infiltração. O alienígena rendeu-se. A ordem foi restabelecida. As portas estão reabertas. Espera-se que os danos tenham sido pouco extensos.
Alfreda encontra-se desaparecida...
MRF said...
Alfreda encontra-se desaparecida mas uns tipos da CIA - que se meteram na história para aniquilar todos os terráqueos que ameaçaram colocar fotos dos alienígenas em blogues - bufaram ao saxofonista que a culpa é da Imelda. Eu avisei! Quatrocentos sapatos dá demasiado nas vistas e é óbvio que a ex-primeira dama das Filipinas ia querer metê-los no Museu. Deduz-se pois que Alfreda esteja em Marikina a negociar com Imelda Marcos as condições de cedência da sua colecção. A ideia é fazer no CCB- Centro Cultural de Balabac uma extensão do Museu Imelda. Se lhe pagarem bem, temo que Alfreda nunca mais deixe o arquipélago e se dedique à gestão do acervo. Caso triste este, sempre é mais um grande português que se afasta do país!
Se o autocarro do homem com muita pressa não se tivesse atrasado nada disto teria acontecido!
S. said...
Grande português ou portuguesa, só mesmo Alfreda e o seu cirurgião Slone poderão saber... ou será que o homem-pressa também? De facto, o seu comportamento errante, depois da conversa que tiveram, deixou no ar algumas dúvidas. A repentina viagem da sua diva, a mudança de vida da sua mãe/amiga... or whatever... levou-o a integrar um grupo de interajuda, para pessoas com fobia de livros com capas dobradas nos cantos e dedadas quando estas são impressas a preto e envernizadas. Grupo que ajuda também jovens ciumentas e possessivas. Adivinha-se, claramente, o início de uma grande empatia/amizade com Bordalo, um ex-vegetariano convertido ao canibalismo após anos de isolamento numa abadia, no sul de Inglaterra. Ambos sempre sonharam com a depilação definitiva dos pêlos das costas....
Lauro António said...
Passei por aqui e dei um tiro no autor. Pum! Adeus Pancho, adeus, Carmenzita. Por mim, c' est fini!
Tchiiii, disse Rafael, e foi à vida. Menos um.
seilá said...
O que ela mais ansiava. O liso. O totalmente isento sequer de penugem, sequer dessa que se visse e mais se fizesse o entre, quando rossasse a face, a cocha, um braço. Lisa até no sexo. Verteria os líquidos sem coados, sem pegaços nos pelos. Livre das fronteiras entre os seus suores e a vizinhança como um copo vertendo os condensado pela fria loiça.Um sistema aberto. Livre de florestas rasas e das outras que lhe cobriam risos e pensares.Careca. Ela. Despelada como uma rã ou uma filhó, um tomate encarnado. Poderia enfim perceber...poderia? talvez pudesse, assim o cria enquanto os instrumentos, agulhas, lasers, tesouras, pela ordem em que devem, lhe retiram, de uma vez ou um a um, os pelos antes que seja aplicado em cada reentrância o veneno (herbicida, por semelhança dito). Nunca mais crescido. O pelo.
Apenas pouparia as pestanas longas, negras, sacolejando o verde água dos olhos. Com elas se olharia em todos os espelhos.
Eduardo P.L. said...
Se espelhos houvessem!
Ouriço said...
Ai os espelhos!
Havia-os pois, em casa do homem-pressa. Ele era tão vaidoso....
Dirigiu-se ao Laranjeiro. Nunca mais fora o mesmo desde que se mudara das Avenidas Novas para o Laranjeiro. Pudera!
Tocou à campainha. Entrou e viu-se careca. Amália, sua ama desde tenra idade, assustou-se quando o viu. Sentou-o, deu-lhe o habitual Pisang Ambon e pôs um disco a tocar...
"não sei, não sabe ninguém, porque canto o fado neste tom magoado de dor e de pranto....".
M said...
Ele não podia simplesmente suportar a ideia de que Alfreda poderia ficar eternamente no arquipélago. Nunca 400 sapatos deveriam ser motivo para perder um elemento tão valioso na rede nacional de resistência contra os açambarcadores de identidades, essa ameaça que caía inesperadamente do tecto de estactites verdes sem pelos que se recusavam a olhar-se no espelho.
O homem com pressa, que entretanto ia tendo cada vez mais pressa, dirigiu-se, indeciso, para a paragem do autocarro. Seria possível evitar a ameaça do saxofonista mudo? AHHHHH como por vezes a necessidade de expressão leva a recursos tão desesperados!
Enrolou o saxofone numa manta velha...
hfm said...
e com ele partiu para o mar.
Na falésia apanhou um gafanhoto, um gafanhoto estranho, azulado... ou seria reflexo? Ali, contudo, a cor dominante do mar era verde cortado pelas crinas brancas das ondas.
Meteu o gafanhoto no saxofone e...
S. said...
....e o saxofone dentro da mala do SportBilly, que carinhosamente lhe tinha sido oferecida por Alfreda, no seu 15º aniversário. Já desbotada, Amália sempre insistira em limpá-la com álcool, ora, uma maleta de napa... desbota! Contudo a função sobrepõe-se à estética, pelo menos neste caso. Durante anos discutiu este assunto com sua mãe/amiga... ou whatever..., aquela que era designer de profissão e alternadeira à noite por opção, em noites frias em frente à lareira, na vivenda “maison” família que tinham em Oliveira do Hospital. Tentara sempre reger-se por essa grande premissa... qualquer acto seu, objecto que produzisse ou usasse, ou mesmo palavra que proferisse teria sempre uma enorme carga estética aliada à sua funcionalidade. Herança de família... das única que memórias que conseguira reconstruir depois do acidente.
Se não fosse aquela enorme constipação iria atrás de Alfreda, agora curadora do CCB... mas com os nevões que têm caído nas Filipinas não iria aguentar... protelava mais uma vez dar-lhe a resposta que ela tanto esperava.
Subiu para o cavalo e deu meia volta...
Ouriço said...
Cavalgou no puro lusitano, mais a constipação, os lenços de papel, a mala, o conjunto de sapatos e o kit de primeiros socorros.
Quando chegou, atingiu o inimaginável.
O Pai said...
Afinal, de manhã tinha saido a correr de casa e apanhado o autocarro, mas o autocarro demorou muito a chegar. Na paragem seguinte o homem tinha saido e desatado a correr à frente do autocarro. No cruzamento o semáforo estava vermelho mas o homem não tinha tido tempo de reparar em nada e continuado a correr. Os carros buzinaram, as pessoas gritaram, mas o homem não ouvira nada. Teria chegado à esquina seguinte e, com tanta pressa, continuado a correr em frente, atravessando uma casa.
Bandida said...
A orquestra continuou o ensaio sem o saxofonista que tinha ido à Brasileira encontrar-se com um amigo. Aproveitou para cumprimentar o Pessoa que já não via à alguns minutos e esqueceu-se dos cigarros na mala de Alfreda. Voltou ao teatro e reparou que era um bar. O bar da alternadeira que ficou com asma depois de tantos cigarros consumidos na espera do alçapão dos medos. O alçapão dos medos era um enorme jardim que ficava para os lados das Laranjeiras e onde se confrontavam diariamente poetas e artistas de todas as artes que por desgosto se entregaram à vida como se a morte existisse sem pressa. Logo ali percebeu que a pressa era importante e que nunca ninguém o tinha percebido. Mas, precisava de encontrar a mala de Alfreda para os cigarros.
Esfregou os olhos, olhou mais atentamente e reparou que Alfreda não era Alfreda mas sim, Sophia Loren. Não , não era verdade. Não podia acreditar que era Elizabeth Taylor. Não podia acreditar que era Gina Lollobrigida. Não! NÃO!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
Continua... nos "comments"
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