Saturday, May 5, 2007

Era uma vez....

S. said...
“...um homem que tinha tanta pressa que desejava não necessitar de nenhum tempo para nada. De manhã saiu a correr de casa e apanhou o autocarro, mas o autocarro demorava muito a chegar. Na paragem seguinte o homem saiu e pôs-se a correr à frente do autocarro. No cruzamento o semáforo estava vermelho mas o homem não tinha tempo de reparar em nada e continuou a correr. Os carros buzinavam, as pessoas gritavam, mas o homem não ouvia nada. Tinha chegado à esquina seguinte e, com tanta pressa, continuou a correr em frente, atravessando uma casa. Uma família estava....
(© Ursula Wolfel)


pinky said...
Uma familia estava sentada, e não tinha pressa para nada.
Não tinha pressa para viver, não tinha pressa para sorrir, não tinha pressa para sentir.
A famila que não tinha pressa, ficava.
Um corvo surgiu do nada....


mariatereza said...
do nada da familia sem pressa. Empoleirou-se sobre o ombro esquerdo do homem gritando-lhe aos brados: Jamais chegarás! Jamais chegarás! Jamais!


Ana Paula said...
Entretanto, ele senta-se muito depressa e põe-se a pensar mas depois pensou que não podia ter tempo para coisas tais pois ele vivia depressa demais.Porque o tempo passa depressa. Arrancou os pensamentos da cabeça e deitou-os fora enquanto corria desalmadamente para ir almoçar. Mas como um almoço leva tempo, decidiu juntá-lo com o jantar.


mag said...
Seria um daqueles jantares com sopa e gravatas e tudo! Daqueles que sé se tem aos fins de semana em que o céu pintado de cor de rosa como numa fotografia antiga nos faz lembrar os romances de Verão. Iria tentar um jantar que fosse uma rima de todos os outros momentos que lhe ficararm marcados desde sempre. Aqueles momentos com céus cor de rosa e que com o passar dos anos se transformam em momentos azul bébé. Talvez assim conseguisse acalmar o que lhe ia na alma


Ouriço said...
E assim fez. Afinal, uma refeição sempre demora menos tempo do que duas. Avidamente, engoliu um pacote de leite, duas fatias de carne assada e um tomate suculento. Isto porque, para quem não sabe, os corvos adoram ler Os Cinco e sempre se inspiraram nos piqueniques maravilhosos que eram feitos pelo grupo, quando das investigações. Este corvo não era excepção.


O Pai said...
Enquanto jantava, alguém tocou à campainha de casa. Ficou com muitas dúvidas. Como iria gastar o próximo minuto? Abria a porta e perdia o tempo do jantar, ou jantava e perdia o tempo para abrir a porta e saber quem o procurava. Ele decidiu ...


Rita said...
...poupar tempo e abrir a porta enquanto terminava a sua banana. Não poderia falar, assim de boca cheia, a banana metade fora- metade dentro. Mas talvez não fosse necessário, o carteiro pediu-lhe apenas uma assinatura. Em troca dela, recebeu uma carta, de correio azul, como ele gosta.


M said...
Da porta começou a verter o veneno destilado pacientemente ao longo das intermináveis noites de insónia. Os ratos descomunais que acabavam de devorar os restos da refeição aproximaram-se, curiosos e atentos, demasiado habituados ao choro hipócrita dos traficantes de ópio para darem qualquer crédito ao torso decepado que esperava pacientemente a sua vez.

A jovem assassina, envergando o seu vestido de minúsculas flores mimosas e primaveris, fez uma aparição completamente inesperada e mesmo um pouco incómoda, já que não parara de avisar, no decorrer de toda a manhã, que em sendo meio dia em ponto se ia suicidar, lançando-se ao rio e não estaria de regresso antes do final da tarde, hora a que o saxofonista deveria já estar de posse dos duzentos pares de sapatos e, portanto, pronto a dar início ao massacre.


Ouriço said...
Arrumava os sapatos de maneira tão metódica, que os bichos do pó tinham medo de entrar no seu closet-especial-para-sapatos-paranoicamente-arrumados. Foi difícil prepará-los para aquele dia. Os seu duzentos "meninos" atirados brutalmente para dentro de sacos vileda de 100 litros, verdes e sem elástico a servir de fecho. Terminada a tarefa, seguiu caminho.


S. said...
A carta.
Sem coragem para a abrir, decidiu esperar... agora a pressa não era nenhuma. Que diria Alfreda? já não tinha notícias de Alfreda há mais de 1 mês..."não pode ser nada de bom...". Olhou, demoradamente para o rectângulo azul, uma coisa era certa já não estava em Nova Iorque, o selo era Indiano e o carimbo de Bombaim.

Meteu a carta no bolso do fraque e saiu.


intruso said...
Saiu com tanta pressa que no fundo não era pressa nenhuma... e esqueceu-se de tudo; da pressa que não tinha, do fraque que afinal não tinha vestido, da carta de correio azul que meteu no bolso do fraque e que ficaram afinal esquecidos em casa...

Não tinha notícias de Alfreda há mais de um mês, pelo que poderia ficar sem notícias dela durante mais umas horas...

Na rua estava um dia calmo, com aguaceiros ácidos mas pouco turvos. Quase conseguia ver a lua do meio dia, atrás do halo fosforescente, bem como a sua sombra gigante em forma de botão projectada sobre os prédios de papel, sobre as flores monstruosas de ferro acima de si e sobre as hydras que engoliam humanos...

Um dia quase calmo, não fosse aquela ameaça (...)


Ouriço said...
A ameaça do inexplicável. O desaparecimento daquela mulher, de olhos castanhos e grandes, logo naquele dia?


Eduardo P.L. said...
Pegou o rumo do heliporto, sem se preocupar com o número enorme de sapatos femininos que levava. Embarcou, e saiu rumo as montanhas cobertas de neve. Acharia , Alfreda, ainda antes do anoitecer. O vôo foi tranquilo apesar do vento forte e do incomodo barulho do rotor das helices. Foi nesse momento que se lembrou...


isabel victor said...
Nessa noite ... dormiu com a carta debaixo da almofada.

pela prmeira vez, em tantos anos, não tinha pressa ...

sentia-se estranho ...


às vezes Ele, às vezes Ela said...
Passou com as mãos nos seus pés. Estavam maltratados. Passavam largos meses desde que deles tinha ido tratar. Sempre tinha tido um fetiche por pés arranjados, como os dela, que beijava de ternura. Acendeu a luz. Passava pouco das quatro. Bebeu água e resolveu abrir a carta:

"-Afinal, resolvi escrever-te (...)


M said...
E era tudo. Mas por que é que alguém escreve uma carta para dizer "Afinal, resolvi escrever-te"? Colocou a folha contra a luz. Poderia haver mais alguma coisa escrita. Provavelmente. Em tinta talvez simpática. Para dizer "Afinal, resolvi escrever-te" não era necessário mandar uma carta. Ou seja: um envelope, talvez. Não era necessária a folha. Ao escrever o envelope, com o nome e a morada (e, para mais, em correio azul, como ele gostava), já estava a dizer isso mesmo: "Afinal, resolvi escrever-te".

Aspirou o perfume da folha. Encerrava, bem fundo, um aroma vago a casas fechadas, a criptas, talvez. Em última análise - e se tivessemos em conta o rastejar sinuoso do discurso do vigilante da passagem de nível que sorvia o ar em golfadas curtas e dolorosas, ao mesmo tempo que cortava as unhas dos pés - a carta poderia não querer dizer que "Afinal resolvi escrever-te"...


Lauro António said...
Recebi a carta sem surpresa. Afinal já a vira escrever cartas em circunstâncias muito mais difíceis. Desta feita não foi quase necessário lê-la. Abri-a sem sobressalto. Desdobrei o papel, reconheci a letra miudinha, a tinta violeta, o cheiro a rosas secas, e depois as palavras, arrumadas, lado a lado, sem inovação, apenas a coerência da repetição, se coerência há na repetição.

Que dizia?

Ri-me discretamente.

Voltei a dobrá-la e não a devolvi ao envelope. Repousa agora em cima da minha secretária, ao lado do missal e do candeeiro de pé alto.

Um candeeiro de um só pé, perguntou Agripina? É verdade, querida, um só pé, resultado das bombas na batalha de La Lys, donde veio perneta e gazeado. Olhei em redor e vi a família estupefacta. O Rui entretinha-se a mascar gomas, e a Carlota enrolava num dedo as madeixas do cabelo louro. A avó Margarida tossia, enquanto comia a sopa. Assoprava a cada nova colherada, depois sorvia o caldo, com um ruído curioso que deixava a Justina exasperada.

A avó olhava-a, interrompia o assobio sibilino. e explicava: "São os dentes, minha filha, os dentes!"

Mas não eram os dentes, era a falta de dentes que ela queria referir. Os dentes tinha-os ela deixado, há anos, durante uma sessão de sexo oral mais entusiástico. O Marcelino da Pharmácia Esmeralda que o diga. Que o diga toda a aldeia de Vivendinhas de Baixo, concelho de Cedufeitas e Porfazer, no lugar de ver-os-rios-a-correr-para-o-mar.

Foi assim que no ano da graça, Jeremias, o Vindouro, se suicidou colocando o pescoço sobre o carril do comboio. Esteve oito anos, sete meses e dois dias à espera da inauguração da linha, mas quando o primeiro comboio circulou na região ficou para sempre com o nome inscrito na lenda. Depois dele, vários Jeremias, os Passados, tentaram bater o recorde, mas sem resultado. Apenas Maria, a Torradinha, (torradinha era nome que lhe puseram por ela andar sempre envolvida em manteiga, desde muito pequenina!) consegui algo semelhante em toda a redondeza. Mas era coisa que se mantinha em segredo, pois ninguém, em Pinhais de Parede, parecia estar interessado em devolver a palavra …

Palavra de honra, disse o Senhor Prior, e caiu fulminado.

Quem havia de dizer? Um Senhor Prior sempre tão aprumado, tão arrumadinho. Tão orgulhoso da sua batina, esmeradamente lavada com o Tide da mana Eusébia.

Pois é, minha filha, seu arrumadinho não quer dizer nada, pensou o jornalista Euleutério, mas não disse. Guardou a deixa para a folha de alface onde colaborava regularmente. Difícil porém era escrever numa folha de alface. O Pirulito da área bem que tentara, tentou com uma cenoura, com um aipo, até com uma beringela, mas nicles, e nisto batem à porta.

Tenho de ir abrir…


Ana Paula said...
"Tenho de abrir que tenho pressa. Uma alface espera por mim para fazer uma hedionda salada que me há-de matar com toxoplasmose." Mas ele até de morrer tinha pressa e deu o caso por encerrado. Fez a salada, comeu e esperou apressadamente p'la morte. Que não veio porque também tinha pressa e se foi dali para outro lugar onde tudo já estava mais resolvido. Acho que foi para a Terra do Nunca, onde nunca conseguiria ser morte.

Entretanto o outro, o homem com muita pressa, já se tinha deitado para dormir mas apressado logo acordou, dormir era uma perda de tempo e acordado girou como um peão, rodando interminavelmente, escapou-se de casa para o espaço, onde encontrou o Peter Pan que finalmente o acalmou e o fez parar para tomar um cházinho com a Sininho. Ou não fosse a fantasia a única forma de não ter pressa... Até porque a pressa é inimiga da perfeição.


S. said...
nock, nock, nock...
ouvia um som seco e forte longe, longe, longe...
de repente acorda sobressaltado! Acabara por adormecer ainda com a carta na mão e dobrado sobre a secretária. Sempre que bebia um pouco à refeição dava nisto, caía quem nem um tordo e sonhava com histórias infantis... sonhos disconexos e com o passado, a sua família. Passado? que passado? A memória traía-o desde o acidente que tivera há dois anos. Nunca mais foi o mesmo, até porque não tinha documentos e ninguém deu pela sua falta. Um John Doe à portuguesa. Restava-lhe sonhar com desconhecido tão desejado.

nock, nock, nock
continuavam a insistir:
"POLICIA! Abra a porta é uma ordem!"


pinky said...
ele tremeu...
pensou ser mais um pesadelo
serrou os olhos com força e disse para si mesmo....acorda!

- nock nock nock

não podia ser...o som continuava, a ordem era a mesma....

- Policía, em nome do Rei abra a porta!

Rei?! Qual Rei? Mau....ou acordo ou tenho que me atirar da cama abaixo para sair do pesadelo...

- nock nock

Pronto lá tenho que cair da cama....concentrou-se, fez muita força e atirou-se....
o impacto súbito com o chão que esperava não aconteceu, sentiu-se flutuar....resolveu abrir os olhos e viu....caía em queda livre em direcção a nada....mas segundos depois viu....


Sibila said...
Viu que flutuava entre poeiras estelares e as cores do arco-íris entrelaçavam-se no seu corpo. Mas era tudo ilusão, pois de repente estava a ser engolido pela baleia maior que já tinha visto. Por incrível que pareça, dentro dela encontrou o Pinóquio. Sentado numa cova especialmente confortável da barriga da baleia-monstro, da qual fez poltrona, teve uma bela conversa com ele. Discorreram sobre inúmeros temas mas o mais polémico foi o das vantagens e desvantagens da mentira, considerando o tamanho desmesurado do nariz do Pinóquio. Não parava de crescer e ameaçava perfurar a barriga da baleia a qualquer momento...Ele viu ali uma hipótese de fuga para retornar ao ponto onde tinha ficado: caído da cama aos trambolhões, sem sentir a queda que também nunca tinha chegado a acontecer, parecia... E a porta que nunca mais era aberta!
Esta tremenda lentidão que se fazia acto inacessível recordou-lhe o castelo de Kafka. É que nunca mais lá chegava, nem à porta nem ao castelo. Talvez devido a burocracias, não sabia. Certo, certo, tinha sido desleixado e não tinha renovado o bilhete de identidade. Talvez por isso o procurassem, para lhe devolver uma qualquer identidade.
Tentou, então, estender a mão para abrir a porta. Foi quando em vez de se abrir, se virou contra ele e tráz!, bateu-lhe em cheio na cara. Voltou às estrelas e dormiu que nem uma pedra. Às vezes, é melhor não tentar abrir certas portas. Mas quem quiser, pode continuar a tentar... Alguém vai abrir?


dora said...
Parece que não!
Por isso, e porque já estava muito farto de estrelas, não teve outro remédio se não fazê-lo ele. Levantou-se. Estendeu a mão e, sem mais nada, a porta abriu-se, escancarada. "PORTA PARA O NADA", estava escrito por detrás.
- Porta para nada? - perguntou-se ele, ainda meio estrelado - Para que é que serve uma porta para nada? Uma porta para nada não deve servir para nada!
- "PARA O NADA", estúpido!- gritou a porta. - Irra, és mesmo mais estúpido que uma porta!
- Ahhhhh! - disse ele a ver se passava. E sim, a porta - que por ser porta não podia ser muito inteligente, deixou-o passar.
Então é que foi: O NADA - mesmo nada, nadinha nadica de nada - não era nada como ele tinha pensado durante toda a sua vida: não era nada transparente, nada vazio, não ia dar em nada, nem sequer era um lugar para nadar. Então, reajustou os pensamentos e......


Lauro António said...
- Tchiiiii, disse Rafael, ou pensou, ninguém sabe dizer ao certo o que aconteceu.
Deu meia volta e foi-se embora. Estava farto de fazer figura de parvo, e tinha visto, num ápice, que não estava ali a fazer nada.
"Eles que se amanhassem." Era para isso que eram pagos.
Se tinham que descobrir a vítima, o crime e o criminoso, que o fizessem sozinhos.
Rafael, que ia só a passar, assobiou para o lado, meteu as mãos nos bolsos das calças, e foi à vida, que a morte é certa.
"Dizem!"
- "Foi nessa altura que lhe caiu a viga de metal em cima dos cornos e o mandou para os anjinhos", disse Mendonza, do cartel de Medellin.
_"Abres a carta ou não meu cabron!?" e mostrou o revólver que tinham na mão e lhe apontava à cabeça.
Rufino Fino, que tinha saído das ruínas do Carmo, olhou para a Chaimite que está à porta do Convento, e rezou entre dentes: "Virgem Santíssima! Quem havia de dizer!?"
Foi o bastante para Don Quichote, que ia a passar para a Fnac do Chiado, lhe estender a lança. Rufino olhou, viu, meditou, agarrou no donut e pendurou-o na lança. Nem 30 segundos (qual 30 segundos!, nem 20! qual 20 segundos!, nem 10 segundos!) ali esteve o donut. A voracidade de Pancho Villa era proverbial. “Arriba!, Arriba!” e seguiu depois de se lambuzar todo de açúcar em calda…
Falta aqui alguma coisa, pensa o autor.
Carmenzita atalhou: - “Falta aqui uma ceifeira?”
- “Será? Uma ceifeira dava jeito.”
- “Ceifeira ou não ceifeira, o que falta é uma gaja!”, disse o zarolho.
Estava com cio deste o Inverno passado. Tiritava de cio. Ou seria… de frio?
- Hei!, gritou o alferes, Frio ou cio?
O Zarolho detestava intromissões de militares:
- “E se fosses para a coisinha da tua mãe, ó larila?”
Nesta altura o fagulha reagiu: - “Ò larila olé!”


hfm said...
E do lado surgiu o silêncio feito pessoa - esquálido, firme, dominador.


Ouriço said...
Subiu então a Rua Garrett. Sentia fome mas a Benard já não era a mesma de antigamente e teve preguiça de descer até à Confeitaria Nacional. Desejou que um dia houvesse algum blog para contar a sua história, um cineasta para fazer o filme da sua vida e continuava cheio de fome. A perna doía-lhe e não tinha o maldito comprimido.
Foi então que a viu. Sentada no colo do Fernando Pessoa petrificado. Alfreda. Fumava um cigarro pensativo, qual personagem queirosiana. E chorava. Cobria-a uma pachemina vermelha, trazida de Bombaim.
Voltara. Trazia os olhos castanhos, grandes e distantes.
O encontro. Finalmente o encontro.


O Pai said...
Neste momento, Luís (um professor universitário envolvido em escandalos) dava por concluida a leitura nocturna, de livros fantásticos, ao seu filho Frederico.

- Fred, já são horas de dormir. O livro que escolheste é estranho e dá muitas voltas. Dorme bem. Não te esqueças de rezar o Pai Nosso.

- Obrigado Pai. Só espero não ter pesadelos esta noite. Até amanhã.

Frederico aproveita a lanterna que tinha recebido de presente no Natal e decide continuar a leitura do seu livro fantástico. Porém descobre que quando todos esperavam o encontro com Alfreda, surge um ataque terrorista que destroi a cidade. Alfreda decide mostrar que as mulheres estão disponiveis para tomar conta do mundo, afirmando "Enterrem-se os mortos e cuidem-se dos vivos"...


MRF said...
Os vivos criaram uma sociedade de mulheres que não era uma sociedade transbordante de feminidade ou maioritariamente composta por mulheres - na verdade, o que havia mais era ratos- mas uma sociedade que existia para além da guerra dos sexos e das lutas por direitos que já não tinham sentido. Com o terramoto as cidades desapareceram e com elas o Estado, pelo que o direito ao voto ou à igualdade de oportunidades rapidamente passou a fazer parte de uma vaga memória, estranhamente agitada, que se revelava apenas em sonhos e nunca em encontros entre escombros, e menos ainda ao pé da estátua da jovem assassina, onde Alfreda descobria todos os dias mais uma série de minúsculas flores enquanto lia a inscrição: "ao meio dia suicidou-se", estátua erguida por amigos do saxofonista que, face à catástrofe, não puderam deixar de crer que aquela morte teria sido um indício e o seu anúncio prévio, insistente, um aviso.

"Eu tinha tanta pressa", disse um homem sentado do outro lado da estátua. Vestia um fraque preto e falava com o que parecia ser um corvo. Pousado no seu ombro, o pássaro debatia-se com um envelope que lhe tapava a cabeça. A cada movimento da ave, soltavam-se palavras que caiam como sapatos aos pés do homem. Alfreda aproximou-se..


Ouriço said...
Aproximou-se, suja pelos escombros do terramoto que se tinha seguido ao ataque terrorista. Olhou as pequenas flores. Viu o corvo e lembrou-se do delírio que alguém tinha tido com o bicho. Não passava pela cabeça de ninguém imaginar o corvo a ler Os Cinco...
Encarou o homem da pressa e decidiu que naquele momento lhe iria explicar porque fugira dele. Porque partira para Bombaim no dia daquela festa, tão importante para ambos.


Joao said...
Para Bombaim? "Raios, teria mesmo sido Bombaim?" ou teria novamente passado pelo mesmo portal imaginário que lhe permitira uma vez e outra visitar a idade média? Imaginário? podia ainda sentir os aromas e os cheiros. sobretudo, a diferença no ar puro que respirara, completamente diferente daquele, em que vivia actualmente. ou que julgava viver.
tudo lhe parecia demasiado confuso.
meteu a mão no bolso à procura dos comprimidos,que como sempre lhe deveriam trazer de volta à realidade.
mas nisto, ouviu algo..


Cuga said...
Á sua frente uma pessoa sem rosto estava debruçada sobre o seu corpo... Ouvia vozes ao longe, como se estivesse a despertar de um coma interminável, mas não reconhecia a pessoa, não reconhecia a língua que falavam e não encontrava as palavras que perguntavam: "quem és, onde estou?" No silêncio, voltou a fechar os olhos e a ser transportado pelo torpor do sonho,
ao som de uma máquina que apitava continuamente piiiiiiiiiiiiiii......


Ouriço said...
Subiu então a Rua Garrett. Sentia fome mas a Benard já não era a mesma de antigamente e teve preguiça de descer até à Confeitaria Nacional. Desejou que um dia houvesse algum blog para contar a sua história, um cineasta para fazer o filme da sua vida e continuava cheio de fome. A perna doía-lhe e não tinha o maldito comprimido.
Foi então que a viu. Sentada no colo do Fernando Pessoa petrificado. Alfreda. Fumava um cigarro pensativo, qual personagem queirosiana. E chorava. Cobria-a uma pachemina vermelha, trazida de Bombaim.
Voltara. Trazia os olhos castanhos, grandes e distantes.
O encontro. Finalmente o encontro.


O Pai said...
Neste momento, Luís (um professor universitário envolvido em escandalos) dava por concluida a leitura nocturna, de livros fantásticos, ao seu filho Frederico.

- Fred, já são horas de dormir. O livro que escolheste é estranho e dá muitas voltas. Dorme bem. Não te esqueças de rezar o Pai Nosso.

- Obrigado Pai. Só espero não ter pesadelos esta noite. Até amanhã.

Frederico aproveita a lanterna que tinha recebido de presente no Natal e decide continuar a leitura do seu livro fantástico. Porém descobre que quando todos esperavam o encontro com Alfreda, surge um ataque terrorista que destroi a cidade. Alfreda decide mostrar que as mulheres estão disponiveis para tomar conta do mundo, afirmando "Enterrem-se os mortos e cuidem-se dos vivos"...


MRF said...
Os vivos criaram uma sociedade de mulheres que não era uma sociedade transbordante de feminidade ou maioritariamente composta por mulheres - na verdade, o que havia mais era ratos- mas uma sociedade que existia para além da guerra dos sexos e das lutas por direitos que já não tinham sentido. Com o terramoto as cidades desapareceram e com elas o Estado, pelo que o direito ao voto ou à igualdade de oportunidades rapidamente passou a fazer parte de uma vaga memória, estranhamente agitada, que se revelava apenas em sonhos e nunca em encontros entre escombros, e menos ainda ao pé da estátua da jovem assassina, onde Alfreda descobria todos os dias mais uma série de minúsculas flores enquanto lia a inscrição: "ao meio dia suicidou-se", estátua erguida por amigos do saxofonista que, face à catástrofe, não puderam deixar de crer que aquela morte teria sido um indício e o seu anúncio prévio, insistente, um aviso.

"Eu tinha tanta pressa", disse um homem sentado do outro lado da estátua. Vestia um fraque preto e falava com o que parecia ser um corvo. Pousado no seu ombro, o pássaro debatia-se com um envelope que lhe tapava a cabeça. A cada movimento da ave, soltavam-se palavras que caiam como sapatos aos pés do homem. Alfreda aproximou-se..


Ouriço said...
Aproximou-se, suja pelos escombros do terramoto que se tinha seguido ao ataque terrorista. Olhou as pequenas flores. Viu o corvo e lembrou-se do delírio que alguém tinha tido com o bicho. Não passava pela cabeça de ninguém imaginar o corvo a ler Os Cinco...
Encarou o homem da pressa e decidiu que naquele momento lhe iria explicar porque fugira dele. Porque partira para Bombaim no dia daquela festa, tão importante para ambos.


Joao said...
Para Bombaim? "Raios, teria mesmo sido Bombaim?" ou teria novamente passado pelo mesmo portal imaginário que lhe permitira uma vez e outra visitar a idade média? Imaginário? podia ainda sentir os aromas e os cheiros. sobretudo, a diferença no ar puro que respirara, completamente diferente daquele, em que vivia actualmente. ou que julgava viver.
tudo lhe parecia demasiado confuso.
meteu a mão no bolso à procura dos comprimidos,que como sempre lhe deveriam trazer de volta à realidade.
mas nisto, ouviu algo..


Cuga said...
Á sua frente uma pessoa sem rosto estava debruçada sobre o seu corpo... Ouvia vozes ao longe, como se estivesse a despertar de um coma interminável, mas não reconhecia a pessoa, não reconhecia a língua que falavam e não encontrava as palavras que perguntavam: "quem és, onde estou?" No silêncio, voltou a fechar os olhos e a ser transportado pelo torpor do sonho,
ao som de uma máquina que apitava continuamente piiiiiiiiiiiiiii......


as velas ardem ate ao fim said...
estava a ver televisao.Ninguém deu por ele correr habituados que estavam a estar distraidos consigo proprios.Ele correu, correu e correu até que parou...Olhou em volta e tudo era verde.Onde estava?


S. said...
...estava num estádio de futebol, mais precisamente numa transmissão televisiva de um final da taça de Portugal.....

kkkkzzzzzz.....kkkkzzzzzz....
""AVARIA!!! AVARIA!!! ERRO NO TELETRANSPORTE!!!! ERRO!!! ERRO!!!""

De facto, o seu destino era uma "sala" de espectáculos mas não essa, a avaria da máquina foi ultrapassada, o erro corrigido... finalmente no S.Carlos.
A responsabilidade de um primeiro violino é grande e por pouco não chegava a tempo ao último ensaio, antes da tão esperada ante-estreia. Madama Butterfly, com remix dos Da Weasel, na Comemoração dos seus 50 anos de carreira.

TOC TOC TOC
(o ensaio vai começar....)


Joaquim Amândio Santos said...
e o silêncio era tudo quando os ouvidos almejavam escutar.
retesavam-se músculos, na ânsia de consumir o retinir de cordas, o sopro de metais e a força exalada por cada instrumento de percussão.
no meio da floresta de músicos, sentia-se a ausência da vontade individual, no preciso instante em que cada um se preparava para fazer parte de um todo.
As rugas que contornava a face exerciam uma feliz união com os fartos cabelos brancos que, já nas suas pontas, exerciam o mandato de um manto protector sobre os ombros de corcunda do maestro, protegidos por um casaco andarilho de inúmeros ensaios em outros tantos lugares, espalhados por sítios tão diversos quantos os momentos.
Desajeitado no andar, lento no percurso, assumiu a posição.
agora era a hora da música.
esse fino momento em que as fronteiras da vida vão para lá da superfície.


Eduardo P.L. said...
Pegou a caixa do violino, abriu-a e qual não foi o seu susto ao notar que no lugar do violino..


JPS said...
Antes de começar a interpretação pousou o ipod, retirou o pequeno rádio que comprou numa loja chinesa e sintonizou. Queria acompanhar o relato durante a actuação, o que não era difícil pois já não era a primeira vez que as óperas eram à mesma hora que a Liga dos Campeões.

O ensaio tinha começado, a primeira parte foi perfeita, mas ao intervalo reparou que Alfreda estava na plateia, sozinha, esbelta e com uma cor de pele invejável (tinha passado uma temporada na Tailândia). Queria ir falar com ela…


Ouriço said...
Alcaçou Alfreda e convidou-a para cear, depois da ópera. Chegaram ao Snob. Pediram um bife com batatas fritas. Beberam cerveja.
Finalmente depois de tantos desencontros, ele confrontou Alfreda. No dia em que desapareceu, faria a sua operação. Desde sempre quisera mudar de sexo. Ele nunca compreendeu o seu desaparecimento e nunca compreendeu se a cirurgia tinha sido feita. A ignorância estava a enlouquecê-lo....


Joao said...
contudo, Alfreda nunca tinha contado o verdadeiro motivo da operação. desde pequena que seu avô lhe tinha falado que na sua família havia alguém com vocação para o contacto para "outro mundo".
daí e escondendo de tudo e de todos, foi a Bombaím à procura do seu terceiro olho. e com o Dr. Chamuces, descobrira-o sob a sua omoplata esquerda. agora mais do que nunca era diferente de todos os outros neste mundo.
e por isso, agora que estavam juntos, depois do comer mais um croquete no Snob, e tendo a plena confiança nele, lhe disse:


O Pai said...
...
Frederico que lia a história assustadora do livro do Senhor que estava sempre cheio de pressa e de Alfreda a sua amiga (homem/mulher/alien/outro) acabou por adormecer.

Estava demasiado cansado, e mesmo a excitação causada por tão interessante história foi vencida.

Nessa noite nem chegou a sonhar.

De manhã, qual a sua surpresa quando reparou que a sua mãe, antes uma senhora baixinha, gorda e um pouco velha, parecia a assassina que se tinha suicidado ao meio dia. Afinal, a Mãe de Frederico (Carolina), designer de profissão e alternadeira à noite por opção, parecia muito mais jovem envergando o seu vestido de minúsculas flores mimosas e primaveris. . .


Rita said...
... e lantejoulas vermelhas.
Tinha sido uma noite longa, com 5 clientes e uma equipa de futebol da Primeira Divisão, com suplentes, presidente do clube e árbitros incluídos.
O cheiro a tabaco e sexo impregnado no cabelo não a deixava apreciar devidamente o sabor da chávena de café.
Foi só quando deixou o corpo descansar sobre o balcão da cozinha que viu o olhar espantado do filho.


Ouriço said...
O filho estava com cara de sono. Eram 5h00 da manhã. Quando a viu, gritoun:
- Mãezinha, não te apagues. Preciso do dinheiro dos ténis que me "prometestes" dar hoje!
- Toma filho.
Lá se vai a conta da luz. Que vida a minha.
O filho seguiu caminho. Carolina pegou no telefone e tentou, novamente, falar com Alfreda.


Ana Paula said...
Espantado com o seu ar desligado da realidade. Pensou num bom banho que a purificasse de toda a poluição mental a que costumava assistir. Assim fez, mas descuidada, adormeceu,e pior que isso: afogou-se. Mas era tudo imaginação. Recordou Alexandria e os rostos esfíngicos que tanto a perseguiam à noite, mergulhados no torpor do desejo. Recordou o gosto do sal, da areia quente e escura, dos luares banhados de mar e das vozes graves perpassadas de mistérios indecifráveis. A pressa tinha desaparecido da sua vida, tal como da daquele homem que tinha encontrado um dia, já não sabia onde... Agora, era a lentidão, como a daquele livro do Kundera. Vestiu-se como quem se dirige aos subterrâneos da memória... Um vestido de cores profundas e vibrantes, em tons de vermelho incandescente. Por cima, um casaco quente de cashemira. Nos bolsos, a embriaguez do sonho chamava por ela. Já nada fazia sentido, nem mesmo esta ideia de recordar.
Saindo para a rua, deparou-se com uma menina de olhos devoradores. Estendeu-lhe a mão e com ela percorreu as ruas desertas, sem nome. Nâo tinha destino nem queria que lho dessem. Parou debaixo de uma árvore frondosa e juntas sentiram a brisa fresca da noite, enquanto um cego tocava num acordeão. Pensou deixar-lhe ficar uma moeda, mas nem isso tinha. Na mão, apenas aquela mão pequenina de uma menina franzina, de olhos esbugalhados. E o cego sem moedas... Vale a pena dar? Uma moeda poderá restituir-lhe um pouco de visão?


legivel said...
... não. Nem lhe restituiria a visão e pior: atrasaria a revolução que haveria de vir.Sim que neste conto a muitas mãos e alguns pés, vivia-se num clima de medo e suspeição. Muito meeeeedo mesmo. À séria.


mag said...
E assim não podia ser. Ele recusava-se a que assim fosse!


Ouriço said...
Dele nada se sabe mas quanto a Carolina, depois de ter visto tanta desgraça, animou-se. Cansada de neura, Carolina voltou a tentar contactar Alfreda, que depois da noite passada na conversa com o homem-pressa, se sentia aliviada. Ele tinha entendido bem as suas razões. Carolina decidiu mudar de vida. Continuava com os seu laboroso design e abandonaria a vida nocturna.


legivel said...
... recusava-se mesmo! Não era o falar pelo falar... e isso ficou demonstrado quando deste vez foi assediado por um homem sem uma perna e que tocava saxofone. Por acaso nem tocava mal de todo, mas aquela mania de interromper o "E depois do adeus" e lhe pôr à frente dos olhos a latinha da ordem... Também não levou nada, claro. Só lhe faltava a ceguinha da rua Augusta a cantar o fado...


M said...
Pelo menos esse foi o seu primeiro impulso, mas rapidamente desistiu quando Alfreda começou a estrebuchar de uma forma verdadeiramente histérica. Ela desconfiara de que isso poderia vir a acontecer assim que a vira com aquele vestido vermelho profundo, pois sabia que essa cor dsencadeava nela reacções extremas, principalmente ao nível do menisco.
Com Alfreda a profundidade não podia de forma alguma ser obtida através do vermelho profundo de um vestido. Nunca tal acontecera e certamente não ia começar agora a acontecer, precisamente neste ano em que se comemorava o centenário do maestro e em que a encenação da ópera se tornava verdadeiramente inevitável, sob pena de despertar a ira da gorila adormecida.
Por isso ele insistira tanto nos duzentos pares de sapatos. Era uma decisão sensata, que seria bastante acessível a todos os intervenientes e que não traria os problemas que surgem sempre quando se tem de recorrer ao... ele nem queria mencionar a ameaça terrível! Mas a verdade é que o morcego andara por ali a pairar naquela tarde, com o seu manto roxo, invocando o grande ser. Valeria a pena tentar a profilaxia?... Ou seria já tarde?


Lauro António said...
_ Tchiiiii, disse Rafael, ou pensou, ninguém continua a saber dizer ao certo o que aconteceu.
- Tchiiiii, estes marmanjos não sabem o que dizem. Ando eu nisto da instrução para adultos para acontecer uma coisa destas. Não sabem o que dizem é o que é. Perde-se não só o latim, como o grego…
- O grego? Estás-te a meter comigo, oh sacripanta? Olha que comigo ninguém se mete. Com o Herodes já sabes: ou te calas…
Interrompendo: - Cuidado que há aqui Senhoras!
- Senhoras num vejo… Aqui só há miragens, e as miragens são como os anjos, assexuadas…
- Porra!, se isso é assim, vou ali e já volto.
- Fazes bem, oh Juvenal. A vida são dois dias…
E assim foi. Juvenal viu passar o primeiro dia, depois adormeceu, e ao acordar já tinha morrido, pois dormira, directo, sem paragem para ninguém descer ou subir, mais de 24 horas.
- Gosto, gosto sobretudo do Sutherland, disse o Pachá esfregando a coronha com pedra pomes. Esse gajo é cá dos meus – 24 horas chega para ir ali e voltar. Tá tudo dito, meu!
Dá mais 5!
O Chouriço Prateado bateu na mão e continuou a bater encostado à parede. O seu passatempo preferido era bater, bater uma, bater duas, bater três de seguida, sempre na mesma porta… até ela se ouvrir.
(- Raios parta o Chouriço Prateado, sempre com a mania do franciu! Ou será italianu?).
Vai daí, bate mais uma, bate menos uma, e a Moira aparece, muito viscosa (viscosa? Não será vistosa?).
- Vens do trabalho ou vais para o trabalho?, perguntou o Senhor Doutor Marques Rodrigues., que era homem de poucas falas, mas que quando falava, acertava na mouche. (- Lá está ele com o inglius!; não pára de gaguejar em estrangeiriu!).
- Fazes o fazer de te calar? Deixa o Doutor falar que o pai tá mal.
- Ok, ele que fale.
Doutor: - O pai tá mal…
- Vês? Eu não te dizia, o pai tá mal…
- O pai tá mal? Mas que vem a ser isso? Qual pai? Mal de quê? E onde tá o Doutor? Isto tá é tudo amalucado, querem lá ver…
- Ver o quê?
- Ver o quê o quê?
- Ver o quê!
- O quê?
- Sim, o quê! Nunca viste o quê?
- Não, disse o Jerónimo.
- Bem, vocês esperem ai. Até agora estava a perceber tudo, mas agora fiquei roxo. Quem é o Jerónimo?
Olharam-se todos, uns aos outros. Pensaram: - Não sabe quem é o Jerónimo. Fracote, não percebe mesmo nada destas coisas de cadáveres esquisitos…
- Claro que é esquisito. Morreu congelado com veneno de ratos… (“A Suivre… quando me der na real gana”, disse o Mentecapto, e pirou-se).
- Eisss! Vais embora e deixas isto assim?
- Olha quem vier atrás que apague a luz…


Lauro António said...
Fui eu. Que azar dos diabos! Tinha de ser eu a apagar a luz, disse o pirilampo mágico.


M said...
Soou o alarme geral e bloquearam-se todas as portas. As defesas organizaram-se rapidamente. Não utilizar os elevadores. Puxar uma máscara para as crianças ao seu lado. Não entrar em pânico. A sofisticada rede de segurança deposletou todos os mecanismos e nem uma mosca foi autorizada a sobrevoar o teritório. A ameaça era terrível. Um alienígena entrara subrepticiamente nos domínios privados e usurpara num acto de profunda inconsciência, a identidade de um flet-flic, um elemento da guarda de elite ao serviço do povo e das instituições respeitáveis.
Simulando uma sofisticada personalidade que manifesta o seu desgosto por fluidos de cor suspeita, consistência suspeita e sabor suspeito, fez seguir a trama com um impulso imeditamente detectado como não legítimo. As autoridades atentas detectaram a infiltração. O alienígena rendeu-se. A ordem foi restabelecida. As portas estão reabertas. Espera-se que os danos tenham sido pouco extensos.
Alfreda encontra-se desaparecida...


MRF said...
Alfreda encontra-se desaparecida mas uns tipos da CIA - que se meteram na história para aniquilar todos os terráqueos que ameaçaram colocar fotos dos alienígenas em blogues - bufaram ao saxofonista que a culpa é da Imelda. Eu avisei! Quatrocentos sapatos dá demasiado nas vistas e é óbvio que a ex-primeira dama das Filipinas ia querer metê-los no Museu. Deduz-se pois que Alfreda esteja em Marikina a negociar com Imelda Marcos as condições de cedência da sua colecção. A ideia é fazer no CCB- Centro Cultural de Balabac uma extensão do Museu Imelda. Se lhe pagarem bem, temo que Alfreda nunca mais deixe o arquipélago e se dedique à gestão do acervo. Caso triste este, sempre é mais um grande português que se afasta do país!

Se o autocarro do homem com muita pressa não se tivesse atrasado nada disto teria acontecido!


S. said...
Grande português ou portuguesa, só mesmo Alfreda e o seu cirurgião Slone poderão saber... ou será que o homem-pressa também? De facto, o seu comportamento errante, depois da conversa que tiveram, deixou no ar algumas dúvidas. A repentina viagem da sua diva, a mudança de vida da sua mãe/amiga... or whatever... levou-o a integrar um grupo de interajuda, para pessoas com fobia de livros com capas dobradas nos cantos e dedadas quando estas são impressas a preto e envernizadas. Grupo que ajuda também jovens ciumentas e possessivas. Adivinha-se, claramente, o início de uma grande empatia/amizade com Bordalo, um ex-vegetariano convertido ao canibalismo após anos de isolamento numa abadia, no sul de Inglaterra. Ambos sempre sonharam com a depilação definitiva dos pêlos das costas....


Lauro António said...
Passei por aqui e dei um tiro no autor. Pum! Adeus Pancho, adeus, Carmenzita. Por mim, c' est fini!
Tchiiii, disse Rafael, e foi à vida. Menos um.


seilá said...
O que ela mais ansiava. O liso. O totalmente isento sequer de penugem, sequer dessa que se visse e mais se fizesse o entre, quando rossasse a face, a cocha, um braço. Lisa até no sexo. Verteria os líquidos sem coados, sem pegaços nos pelos. Livre das fronteiras entre os seus suores e a vizinhança como um copo vertendo os condensado pela fria loiça.Um sistema aberto. Livre de florestas rasas e das outras que lhe cobriam risos e pensares.Careca. Ela. Despelada como uma rã ou uma filhó, um tomate encarnado. Poderia enfim perceber...poderia? talvez pudesse, assim o cria enquanto os instrumentos, agulhas, lasers, tesouras, pela ordem em que devem, lhe retiram, de uma vez ou um a um, os pelos antes que seja aplicado em cada reentrância o veneno (herbicida, por semelhança dito). Nunca mais crescido. O pelo.
Apenas pouparia as pestanas longas, negras, sacolejando o verde água dos olhos. Com elas se olharia em todos os espelhos.


Eduardo P.L. said...
Se espelhos houvessem!


Ouriço said...
Ai os espelhos!
Havia-os pois, em casa do homem-pressa. Ele era tão vaidoso....
Dirigiu-se ao Laranjeiro. Nunca mais fora o mesmo desde que se mudara das Avenidas Novas para o Laranjeiro. Pudera!
Tocou à campainha. Entrou e viu-se careca. Amália, sua ama desde tenra idade, assustou-se quando o viu. Sentou-o, deu-lhe o habitual Pisang Ambon e pôs um disco a tocar...
"não sei, não sabe ninguém, porque canto o fado neste tom magoado de dor e de pranto....".


M said...
Ele não podia simplesmente suportar a ideia de que Alfreda poderia ficar eternamente no arquipélago. Nunca 400 sapatos deveriam ser motivo para perder um elemento tão valioso na rede nacional de resistência contra os açambarcadores de identidades, essa ameaça que caía inesperadamente do tecto de estactites verdes sem pelos que se recusavam a olhar-se no espelho.
O homem com pressa, que entretanto ia tendo cada vez mais pressa, dirigiu-se, indeciso, para a paragem do autocarro. Seria possível evitar a ameaça do saxofonista mudo? AHHHHH como por vezes a necessidade de expressão leva a recursos tão desesperados!
Enrolou o saxofone numa manta velha...


hfm said...
e com ele partiu para o mar.

Na falésia apanhou um gafanhoto, um gafanhoto estranho, azulado... ou seria reflexo? Ali, contudo, a cor dominante do mar era verde cortado pelas crinas brancas das ondas.

Meteu o gafanhoto no saxofone e...


S. said...
....e o saxofone dentro da mala do SportBilly, que carinhosamente lhe tinha sido oferecida por Alfreda, no seu 15º aniversário. Já desbotada, Amália sempre insistira em limpá-la com álcool, ora, uma maleta de napa... desbota! Contudo a função sobrepõe-se à estética, pelo menos neste caso. Durante anos discutiu este assunto com sua mãe/amiga... ou whatever..., aquela que era designer de profissão e alternadeira à noite por opção, em noites frias em frente à lareira, na vivenda “maison” família que tinham em Oliveira do Hospital. Tentara sempre reger-se por essa grande premissa... qualquer acto seu, objecto que produzisse ou usasse, ou mesmo palavra que proferisse teria sempre uma enorme carga estética aliada à sua funcionalidade. Herança de família... das única que memórias que conseguira reconstruir depois do acidente.
Se não fosse aquela enorme constipação iria atrás de Alfreda, agora curadora do CCB... mas com os nevões que têm caído nas Filipinas não iria aguentar... protelava mais uma vez dar-lhe a resposta que ela tanto esperava.
Subiu para o cavalo e deu meia volta...

Ouriço said...
Cavalgou no puro lusitano, mais a constipação, os lenços de papel, a mala, o conjunto de sapatos e o kit de primeiros socorros.
Quando chegou, atingiu o inimaginável.


O Pai said...
Afinal, de manhã tinha saido a correr de casa e apanhado o autocarro, mas o autocarro demorou muito a chegar. Na paragem seguinte o homem tinha saido e desatado a correr à frente do autocarro. No cruzamento o semáforo estava vermelho mas o homem não tinha tido tempo de reparar em nada e continuado a correr. Os carros buzinaram, as pessoas gritaram, mas o homem não ouvira nada. Teria chegado à esquina seguinte e, com tanta pressa, continuado a correr em frente, atravessando uma casa.


Bandida said...
A orquestra continuou o ensaio sem o saxofonista que tinha ido à Brasileira encontrar-se com um amigo. Aproveitou para cumprimentar o Pessoa que já não via à alguns minutos e esqueceu-se dos cigarros na mala de Alfreda. Voltou ao teatro e reparou que era um bar. O bar da alternadeira que ficou com asma depois de tantos cigarros consumidos na espera do alçapão dos medos. O alçapão dos medos era um enorme jardim que ficava para os lados das Laranjeiras e onde se confrontavam diariamente poetas e artistas de todas as artes que por desgosto se entregaram à vida como se a morte existisse sem pressa. Logo ali percebeu que a pressa era importante e que nunca ninguém o tinha percebido. Mas, precisava de encontrar a mala de Alfreda para os cigarros.
Esfregou os olhos, olhou mais atentamente e reparou que Alfreda não era Alfreda mas sim, Sophia Loren. Não , não era verdade. Não podia acreditar que era Elizabeth Taylor. Não podia acreditar que era Gina Lollobrigida. Não! NÃO!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!


Continua... nos "comments"

42 comments:

fcorado said...

Após a enorme confusão na sua mente com antigas estrelas de cinema, decidiu que era altura de continuar porque visões só tem quem quer...! Saiu a correr, agarrou-se à primeira pessoa que encontrou e sorriu-lhe, ele sorriu-lhe de volta e tinha um bocado de espinafres agarrado a um dente.

Isabel Victor said...

"Cobria-a uma pachemina vermelha, trazida de Bombaim ..."

este era o segredo. O código está na cor.
Recomeça o sobressalto ...

com um toque de seda selvagem e cheiro a Bombaim

Sobressalto
Enigma
Vontade de voltar ...

de voar ...

a Oriente

Lauro António said...

Estava, então, na estação do Oriente, quando Valentina começou a cantar "palabras de amor". Não esboçou sequer um sorriso, não procurou fugir, nem tugiu ou mugiu (aliás não fez muitas outras coisas acabadas em iu, como, por exemplo, agora fugiu o exemplo, mas continuamos na mesma, por que é para isso que nos pagam, e não é tão pouco como isso!).
Na Câmara de Lisboa todos batiam palmas. Afinal já havia quem enterrar no túnel, era questão de horas, esbracejar mais um pouco, roncar com a moto, e desaparecer. Aqueles gajos da CIA já tinham entrado em contacto com os da “secreta” do Afeganistão e agora só era preciso mesmo encontrar pés para os quatrocentos sapatos da colecção. Nada de mais, pensou o Grilo Falante que disse (entre dentes) "basta cortar os pés aos primeiros quatrocentos que parem no semáforo e colocá-los nos sapatos!" Mas, havia quem não concordasse. “Cortar os pés ainda vá que não vá, contrapôs Valentina (que interrompera ”Palabras de amor”), mas calçá-los todos, já viram a trabalheira?”
Passou uma motorizada pela calçada (ninguém sabe ao que vinha ou para onde ia, nem se percebe muito bem por que razão o facto ficou aqui registado, mas Argentina Ai-Jesus era alguém meticuloso).
O sol caía no horizonte, que ia amochando, amochando ao peso. “O sol era quente como um raio, pensou o horizonte, além de pesado!” Ninguém sabia que pensar (escrevi pesar, sem n, não ficaria melhor?) de nada do que então acontecia aqui e ali. Era tudo tão repentino. Ainda ontem estava no teatro a ver “A Baleia Branca”, que estava sentada ao meu lado, e hoje já o Engrácio engravidara a Gertrudes (cruzes canhoto, pensava a Tia Josefina, aquela que andara com o Napoleão, ao tempo Grão Mestre da Ordem de Gibraltar).
“Vêm aí os Russos! Vêm aí os russos!” queria gritar o benfiquista, mas faltava-lhe a voz, rouco que estava de gritar a noite toda contra… (contra o quê, lembras-te? Não se lembrava).
Por falta de lembradura, passa-se à frente. “Hei!, que é isso? Aqui a bicha é para cumprir! Não se passa à frente de ninguém… “ “A bicha é para cumprir!?”, estranhou Lomelino, o benfazejo, autor de uma vastíssima colecção de piedosíssimas obras de “escárnio e maldizer” conventuais. “Adoro doces de ovos”, disse o Menino Patachurro, chegam-se à frente e quase caindo do improvisado palco que os populares erguerem em Fornos-do-Algore, coisa ambientalista que falava do “buraco do arroto” que se estendia pela estratosfera. Ninguém podia arrotar mais que cinco vezes seguidas, porque o ambiente estava muito poluído, essa é que é essa, e a pretensão foi incluído, como prioritária, dos “Acordos do Coxo”. “Na, não me parece que vá ser assim”, pensou o bushman, arrotando pela décima vez de seguida, perante o aplauso de todo o pessoal da Casa Branca, que estava um pouco chamuscada pela última chouriçada que ali fora assada e regada a bom “Planalto”.
“Go Home!”, gritavam.
Entrei em casa, fechei a porta e jurei que não volto a sair. “Estes gajos são chatos. Sempre como o “go home”, “go home” na boca, logo agora que havia tantas estrelas no céu. Merda!”

Ana Paula Sena said...

E com tantas estrelas no céu, só lhe apetecia voar. A questão dos sapatos tinha solução, não valia a pena preocupar-se: triturador com eles! Não há nada como caminhar descalço. Quem quiser calçar-se que vá à sapataria e compre. O pior eram os aliens, sempre a imiscuir-se em tudo...antenas p'ra cá, radares p'ra lá...E dizem-se eles mais evoluídos!Tecnologia de ponta e tal... Só invasão da privacidade! De resto,nada!
Não podendo voar agora, decidiu tomar um cafézinho que também surte efeito. Asas p'ra que te quero. Se assim o pensou, melhor o fez e passou lá no tal café Brasileira, onde deu uma beijoca ao Pessoa. Ou não fosse ele um grande poeta, digno de beijos, abraços e ovações. E cadáver não é! O café soube-lhe bem e ainda aproveitou o odor de uns belos charutos que se queimavam por ali. A vida contida nos odores... Isso, sim, era viver e respirar a plenos pulmões o pulsar da existência! Mas deu de caras com ela e não soube o que lhe dizer...Ela, aquela que o atormentava pela manhã, a vizinha, sempre a fazer perguntas sobre as suas intenções: se voltava tarde, se dormia cedo, se andava acompanhado, etc,etc. Acontece que a vizinha estava em posse dos segredos dos aliens, inacreditavelmente. Cozinhava-os todas as noites com muita pimenta e...pasme-se, gindungo ainda por cima! Eram segredos explosivos, bem o sabia, mas agora, com esta vizinha a guardá-los, estavam quase bomba atómica! Daí que tivesse que a tratar com todo o cuidado, os segredos precisam de ser conservados. Maldito chefe dos serviços secretos! A quem havia ele de ter entregue estes conteúdos Top Secret! Bem sei que foi para despistar...mas francamente! Existirá alguma hipótese de os fazer mudar de paradeiro?

n©n said...

Segredos, todos nós temos segredos, o nosso homem não era excepção. Os nossos segredos quando são contados passam a viajar com quem depois também os possui, deixamos de ter controlo sobre eles, passeiam-se, escondem-se, revelam-se, mas já não dependem de nós. Assim se passava com os segredos que contara a Alfreda, sua confidente durante anos. Aquela mulher parecia estar por todo o lado e ao mesmo tempo em lugar nenhum. Será que eram visões? Onde andariam os seus segredos?

Estaria a falta dela a levá-lo à loucura? Maldita obsessão, maldita mulher ou homem, porque de facto Alfreda não tinha contado o desfecho da sua operação, porque mais uma vez tinham sido interrompidos por uma das catástrofes naturais que muito oportunamente tinham assolado o país ou uma invasão alienígena. Aliás, a confusão era tanta, a realidade e a ficção andavam de mãos dadas nos últimos dias, que ele já não sabia no que havia de acreditar.

Se ao menos um psiquiatra ajudasse, já que a terapia de grupo só o tinha contribuído para o baralhar ainda mais.



De um momento para o outro, o céu fica cinzento, a chuva começa a cair forte e o vento sem direcção definida começa a trazer-lhe uma série de objectos e lembras que ele achara esquecidos... a pachemina vermelha, o corvo, a carta... toda a sua alucinante história passava agora perante os seus olhos, seria o fim? Dizem que fazemos flashbacks no final...

Não... toca o telemóvel, era o José Ricardo, o seu ex-companheiro de cela.

"Estou?"

...

Maria Eduarda Colares said...

Estou... - insitiu, já desespeardo.
Prolongava-se o silêncio.
- Estou, caramba!
Odiava chamadas telefónicas em que ninguém respondia.
Sabia que era o José Ricardo, o seu antigo companheiro de cela porque aparecera o nome no visor, mas então... POR QUE NÃO FALAVA?
Já não era a primeira vez que ele tinha um comportamento estranho, pensou ele, continuando a barrar as asas de abutre com a espessa mistura de manteiga de cacau de compota de morango.
Irritou-se.
- Estou!!! Estamos a mangar com o pessoal, ou quê?

Ouriço said...

- Sou eu.
- Já vi! Demoraste a falar porquê?
- Estava a... tomar coragem. Não te ouço há tanto tempo...e tenho uma coisa terrível para te dizer.
- Aconteceu-te alguma coisa?!
- Homem-pressa, ela morreu.
- Quem? Fala!
- A Alfreda. Morreu. Fui contactado pela polícia. Ela tinha-me ligado pouco antes.
- ...
- Homem-pressa?
- Estou a ouvir. Morreu como?
- Um ataque de coração.
- Com 35 anos?
- Sim. Trazia a carta na mala. Tenho-a comigo. Reconheci o corpo. Era ela. Parecia serena.
- Que desgosto. Que desgosto. De repente, perdi a pressa. Leste a carta?
- Não. Vem buscá-la. É tua.

Sibila said...

Sem Alfreda, o mundo parecia-lhe opaco e nada lhe interessava já. De repente, Alfreda era a única que dava sentido às missões secretas onde se tinha envolvido. Sem pressa, sem segredos para guardar e salvar, sem Alfreda, sem aliens, sem nada... assim era agora o seu novo dia.
Pensou ligar a Guilhermina, amor de outros tempos que costumava ter paciência quer para as suas pressas, quer para os seus vagares. Ansiava por ouvir uma voz segura e precisava urgentemente de alguém que lhe dissesse o que fazer a seguir. Neste momento negro, não tinha sul nem norte. É certo, estava totalmente à deriva...
Aguardou a voz de Guilhermina do outro lado da linha. E quando chegou, respirou mais fundo:
- O...lá...sou eu...preciso de ti!
- Humm, então que há hoje contigo?
-Bom. Alfreda morreu, disse num sufoco.
_Ah, estou a ver. E agora, não sabes onde deves entregar os ficheiros secretos...Vou ser breve porque tenho pressa: dirige-te ao Cairo. Procura o contacto Osíris. Segue com ele até à pirâmide indicada pelo raio de sol mais forte que conseguires enxergar. Uma vez lá, deixa ficar os ficheiros no topo da pirâmide. Por cima deles, para que não se percam, deixa ficar um casaco teu. Será também um sinal. Sim, bem sei que são ordens exigentes. espero que estejas em forma física para a subida até ao topo. Interpreta-a como uma ascenção interior. A tua alma que escapa do lodo desta vida sem Alfreda, elevando-se até outros capítulos mais concludentes da tua existência. Tenho dito.
-Está...bem. Mas todo ele se amedrontava perante a perspectiva de execução desta sua missão.
Desligou e tentou ganhar forças para continuar... Precisava de água.Era imperioso bebê-la agora mesmo. A garganta estava quase estilhaçada pela repentina secura que sentia. Água, água...onde? Olhava em volta e não a via. Não a ouvia...a correr, a cair, a gorgulhar... E ainda não tinha chegado ao deserto!

Lauro António said...

Viajou dias e dias, atravessou o deserto e, lá chegado, ao Egipto de Osíris, não encontrou a pirâmide, nem viu raio de sol nem forte, nem fraco. Chovia no deserto, coisa rara, é sabido, mas foi assim.
Colocou os “top secrets” ali mesmo e sepultou-os com o casaco por cima. Olhou o céu, plúmbeo, ergueu as mãos ao céu e apeteceu-lhe cantar e dançar, o que já não fazia desde o tempo em que interpretara “Zorba, o Greço”, única dança de que se recordava. Assim foi: no meio do deserto, com chuva e um céu cinzento de doer na alma, ali o tínhamos a dançar e a cantar, ao lado do túmulo dos “top secrets” com o casaco preto em cima.
Não dava nas vistas. No deserto é assim.
Mas quando fez o mesmo em pleno Rossio, depois de ter acordado, tomado banho, vestido um fato cinza e gravata dourada, depois de ter tomado o pequeno almoço na Bénard, depois de ter praguejado trinta mil vezes contra o raio do sonho que tivera, com “aliens”, “top secrets”, desertos e outros tormentos tais, quando atravessou o Rossio e se lembrou outra vez de “Zorba, o Grego” não resistiu e dançou, e cantou. Em frente a uma das fontes. Foi bonito de ver.
Juntou-se logo o elenco de “Passa por mim no Rossio”, que estava ali para repor o musical, e todos se associaram, bocas abertas de felicidade, cantando as estrofes, braços no ar, “uma alegria”, disse um popular, acrescentando: “E ainda dizem mal do Sócrates!”
“Agora muda-se para “Jesus Cristo Superstar”, com o Herodes a lavar as mãos”, sugeriu o La Feria que não perde uma para publicitar os seus novos espectáculos. “Ou então mantém-se a “Música no Coração”. E assim foi, de super hit em super hit, até à vitória final, para reconforto de um PC que ia a passar e logo confirmou: “O Cunhal sempre disse!”
Entretanto, ali na rua das Portas de Santo Antão, um inglês muito british, interrogava-se desde há minutos: “- Sócrates?” e continuava pensando: “estes portugueses são muito cultos (“very cults”, diria o Herman dos bons velhos tempos!). Só pensam em filósofos (“onli thinky about filosofes”, continuaria a mesma fonte”).
E foi assim, um domingo bem passado.

Ouriço said...

Chegada a noite, subiu a Avenida da Liberdade. Devagar. Subiu a Joaquim António de Aguiar e atingiu as Galerias do Ritz. Entrou e sentou-se ao lado de um José Ricardo já munido da emblemática sopa de cebola gratinada.
- Joaquim, a minha sopa. Traz-me um copo de vinho branco.
- É para já, Homem-pressa.
- Obrigado. Dá-me a carta.
- Aqui tens.
Comeram em silêncio. Saíram e resolveram andar. Pararam em frente à Penitenciária. Lembraram-se dos tempos difíceis que alí passaram.
- Não lês a carta?
- Leio.

Bandida said...

Esperou um bocado. Pegou no copo e com a outra mão na carta. Lembrou-se dos filmes do Bergman que o faziam andar Avenida de Roma acima e abaixo num passo lento e introspectivo. Não sabemos nada de sopa. Aliás há quem não goste. E o Felinni até lhe parecia que não. Não era nada de se deitar fora. Aquela música de fundo da Piaff e o Marlon Brando a comprar manteiga na mercearia ali na esquina do deserto com a savana.
Não , Alfreda não estava morta. Não podia estar.

O telemóvel tocou. Atendeu :
- Estou?
- Hum...
- Alfreda?
- Hum, hum...
E desligou.

Seria ela?!... Parecia pela voz mas... estaria amordaçada?!... Porque não se identificou?! Onde estava?! Em Almada? Na Costa da Caparica? No Egipto?! Em Israel?!

Passavam imagens completamente amalucadas pela sua cabeça.
Alfreda em traje de gala a dançar ao lado da primeira dama, que escorrega e dá de caras com Marques Mendes que dançava desesperado em frente a Jorge Sampaio. De repente a carta. Sim, tinha que ler a carta. Mas agora não.

Lauro António said...

- Não escrevam muito que há uns senhores que não conseguem acompanhar, disse a Varejeira Estarrecida.
- Quem? perguntou a Veraneante-sem-Fôlego.
- Há sempre gajos que só gostam de ler as gordas, percebes? Estilo “24 horas”.
- Não percebo. Acho mesmo que isto tem de entrar na ordem…
- Isto, o quê?
- Ora, o cadáver esquisito… está uma confusão. Ninguém se entende. Devia ser uma história seguida, com princípio, meio e fim… escrita a várias mãos, é verdade, mas com lógica, carago!
- Achas?
- Acho, retorquiu a Veraneante-sem-Fôlego. Assim ninguém se entende, falta a lógica…
- Logo vi que pensavas assim, tudo curto e alinhado, como na parada. Militar. Um cadáver esquisito em poletão: Levantar arma!, Descansar! Arma ao ombro!
- Com um pouquinho de lógica para a gente perceber, passando devagar de frase em frase, curta e precisa, percebes?
- Sabes o que é um “cadáver esquisito”? Com lógica não existe, sem liberdade total não é nada. Quem gosta de escrita dirigida, pode frequentar um curso, ou “work shop”. Está na moda!, de “escrita criativa”, com “ganchos” e “pontos altos2, tudo cientificamente estudado, sabes? Muito industrial, para dar grana, muita grana.
- Gosto da Margarida …
- Gostas Veraneante-sem-Fôlego? Então vai ler… e desampara a loja…
A Veraneante-sem-Fôlego pagou o galão e saiu. A Varejeira Estarrecida ficou sozinha, e pensou: “Antes só que mal acompanhada” Porque será que esta gente toda tem medo da liberdade? Todos querem, andar a toque de caixa.

Maria Eduarda Colares said...

Subitamente a Varejeira Estarrecida olhou para a mesa, para o ponto onde a Veraneante-sem-Fôlego deixara o dinheiro do galão. E... Rejubilou! Trejubilou mesmo! Ela nunca confiara na gaja, parecia-lhe tudo muito conversa fiada, tudo muito olha-que-linda-que-eu-sou. Mas ali estava a prova de que tudo não passava de uma tremenda hipocrisia e que ela tinha o fundo da alma mais negro do que uma panela deixada ao lume sem nada dentro. Ali, em cima da mesa, ao lado do copo vazio e dos saquinhos de açúcar - sim porque ela tinha deitado no galão dois saquinhos de açúcar - rasgados, estava o medalhão! A hipócrita tinha depositado o medalhão discretamente ao lado do pires em vez dos oitenta cêntimos da despesa. Restava-lhe agora saber se era por hipocrisia ou por puro desmiolamento. De qualquer forma, a partir daquele momento, ninguém mais podia ignorar que se havia alguém ali envolvido no "ataque de coração" da Alfreda, esse alguém era a Mosquinha Morta! Só ela é que sabia do medalhão, só ela é que lhe podia ter fornecido o segredo. E a Alfreda podia ser tudo o que se quisesse, melga, sebenta, arremelgada ou proxeneta, mas uma coisa não era de certeza: prolixa!
Não era agora, que Alfreda falecera de forma tão trágica, que se ia abrir todo aquele dossier muito suspeito que não trazia nada de bom à humanidade nem conseguira jamais qualquer tipo de apoio à causa dramática das tão necessitadas colónias de lémures ameaçadas pela inexorável subida dos nitratos.
Naquele momento só lhe apeteceu esquecer definitivamente a carta e partir. Ir para muito longe, longe da penitenciária, do curso de escrita criativa, de todos os entraves que se colocavam à sua total realização. Mas alguma coisa a impedia. Ali, à sua frente estava o medalhão que a outra, a sonsa, a hipócrita tinha deixado. Aquilo só podia ter sido de propósito. E o homem-pressa que andava tão longe de saber a verdade. Ingénuo, sempre a defender a Lesma Obnóxia! Não, desta vez ele tinha mesmo de abrir a carta! Alfreda não podia ter morrido em vão! Mas... teria ele a password?... Aí é que residia a grande questão!

n©n said...
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n©n said...

Veraneante-sem-Fôlego said...
(em inglês, porque era fina!)

- "A password is a form of secret authentication data that is used to control access to a resource. The password is kept secret from those not allowed access, and those wishing to gain access are tested on whether or not they know the password and are granted or denied access accordingly.

The use of passwords goes back to ancient times. Sentries guarding a location would challenge for a password. They would only allow a person in if they knew the password. In modern times, passwords are used to control access to protected computer operating systems, mobile phones, cable TV decoders, automated teller machines (ATMs), etc. A typical computer user may require passwords for many purposes: logging in to computer accounts, retrieving email from servers, accessing files, databases, networks, web sites, and even reading the morning newspaper online.

Despite the name, there is no need for passwords to be actual words; indeed passwords which are not actual words are harder to guess (a desirable property), but are generally harder for users to remember (an undesirable property). Note that password is often used to describe what would be more accurately called a passphrase. Passcode is sometimes taken to imply that the information used is purely numeric, such as the personal identification number (PIN) commonly used for ATM access. Passwords are generally short enough to be memorized."

[in WIKIPÉDIA, fonte do saber fácil, imediato e democrático, cheio de letras gordas!]

Maria do Rosário Sousa Fardilha said...

Gordas, magras, elegantes, mas sem pés. O saxofonista entrara no metro na estação da Praça do Comércio para chegar o mais rapidamente possível à outra margem onde iria actuar no Atira-te ao Rio, quando percebeu que todas as mulheres à sua volta tinham os pés decepados. Não deu logo pela coisa. Na verdade sentou-se e ainda tirou do bolso um pano de felpo para limpar a napa da caixa do saxofone. Mal começara a polir e foi interrompido pela passageira do lado que lhe pedia o pano emprestado. Fê-lo gentilmente, é certo, mas mesmo assim, um pano é como uma escova de cabelo ou de dentes, ou umas cuecas sujas, nunca se pede emprestado! Mas os olhos dela, os seios cheios, as coxas bem torneadas, e estava quase a dizer que sim quando reparou nos joelhos de sopeira, as pernas azuladas, e uns pedaços de pele e carne soltos no lugar dos pés. Ela quereria fazer um garrote? Mas não lhe parecia que pingasse sangue... Continuou a polir enquanto pensava na resposta que lhe deveria dar, quando o seu ângulo de visão inadvertidamente se alargou, e ele avistou outras pernas no mesmo estado de descontinuidade. Ainda ia ver como fariam para sair do metro!

Olhou pela janela. Na parede do túnel ainda conseguiu ler que se aproximavam da estação do Museu Aberto Aos Cacilheiros, antes dela insistir. O pano. Ela queria o pano. E então deu-lho.

Fixando-o, ela levantou-lhe a perna com brusquidão. Quase lhe caiu a caixa com o saxofone mas não reagiu. Deixou que lhe tirasse a bota, e assistiu impávido ao cuidado com que ela começou a limpá-la. Foi então que se lembrou: no último telefonema, a Alfreda falara de uma password. Tinha uma voz estranha quando disse: "se me acontecer alguma coisa lembra-te de que a password é Bota". Teria acontecido alguma coisa a Alfreda? Seria aquela passageira um agente infiltrado?

Unknown said...

Não! Não podia ser! Tinha passado a última semana a ver filmes antigos. Continuamente, uns atrás dos outros. Queria decorar gestos e falas, queria aprender todos os truques de maquilhagem, queria asber como se vestiam as divas, queria dominar as artes de encantar.
Ele ia fazer o que sempre sonhou: transformar-se nas mulheres que idolatrava perante pessoas ávidas de glamour. Começava para a semana no bar que ficava ao fundo da rua daquele bairro tão chique onde sabia que um dia iria morar.
Mas agora, agora... agora tinha que resolver este problema na retina que não o deixava ver nada para além da sua obsessão. Que médico o poderia curar desta filmite aguda? Teriam as fitas ficado impressas nos seus olhos?

Joao said...

mas o tempo urgia e sentindo que não podia esperar muito tempo (mesmo sabendo que o tempo de espera para estas operações tinha sido drasticamente reduzido para 15 dias, devido à consciencialização do Estado e do lobbying do grupo revolucionário "CineParaíso"), dirigiu-se à famácia, a fim de comprar algodão e umas pinças. a seguir foi à mercearia mais próxima, para comprar umas limas, para a sua caipirinha da tarde.
chegando a casa, depois de encontrar Jeremias Duque, que lhe tentou explicar não podia deixar atrasar o pagamento do condominio por esta e aquela razão, rapou o cabelo na expectativa de conseguir resolver o problema pela própria mão. afinal, já vira uns tantos filmes em que os personagens o faziam.. "e bolas, seria assim tão dificil?"
agora mirando-se ao espelho, sem cabelo, recordou os tempos de juventude, quando..

Rita said...

... comia umas folhas de papel almaço entre as refeições, e chupava umas azedas no jardim em frente à escola, por onde certamente já se tinham passeado todos os cães do bairro. E, especialmente, quando, rugindo em cima da sua bicicleta, atropelava bichos de conta.
Mas era hora de deixar tudo isso para trás. De ser uma nova pessoa, a pessoa que queria ser desde que tinha visto o Dallas.

hfm said...

E teria realmente visto o Dallas? seria aquela sombra o Dallas? tinham-lhe dito que o Dallas morrera, então como o poderia ter visto? Seriam já efeitos da nova pessoa que queria ser?

Pontos de interrogação, pontos de interrogação... antes os bichos de conta; mas agora até a bicicleta resolvera tirar férias...

Deu meia volta, arrumou os bichos de conta e os pontos de interrogação no alçapão da memória e...

Ouriço said...

e arrumou o assunto.
O José Ricardo que tomasse conta adquela coisa toda.

Bandida said...

mas o José Ricardo estava longe. entre as algas. a fazer terapia de grupo. o mar tinha areia como as ameijoas e o Sakamoto tocava loucamente um Steinway bem afinado. enquanto o Nagisa Oshima ía filmando um feliz natal com um senhor qualquer importante. Ah, sim , o David Bowie.

Alfreda, desesperada, mordeu a mão.

Unknown said...

Que comichão... Há já alguns dias que andava assim. Aparentemente não tinha nada. Mas, de repente, assim, sem mais nem menos, a mão aquecia, ficava vermelha e a comichão começava. Insuportável.

- 'Amanhã, sem falta, marco consulta no médico', dizia baixinho só para si mesma. E depois já sem voz: o pior é o tempo que demoro a ser atendida; primeiro a marcação e depois as horas na sala de espera. Mas O Sr. Fernandes da Farmácia não me ajuda. E o dinheirão que já gastei em cremes... 'Amanhã. Amanhã é que é'.

n©n said...

"...creme para a urticária, creme para o pé-de-atleta do TóZé, creme para o rabinho assado do meu mais novo, creme para a minhas mãos secas de tanto esfregar as escadas do novo apartamento do Dr.Dallas... mas do que realmente eu gosto é de creme de cenoura ou leite creme....tanto que eu gosto de leite creme....

7 1/2dl Leite
300 g Açúcar branco
9 Gemas de ovos
2 c. chá de Farinha
1/2 vagem de Baunilha
Canela em pó ou açúcar q.b.

Desfaz-se a farinha num pouco de eilte frio e põe-se ao lume o resto do leite com açúcar e baunilha. Quando estiver bem quente, retira-se do calor, junta-se a farinha desfeita no leite, mexe-se e volta ao lume a ferver. Torna-se a tirar e, quando morno, adicionam-se as gemas, muito bem batidas, Volta a lume brando, mexendo continuamente só até querer levantar fervura. Tira-se a baunilha, deita-se numa taça e polvilha-se com canela ou, depois de frio e de ter criado pele, com açúcar, que se queima com ferro em brasa.
"

Ana Paula Sena said...

Adorava leite creme e se bem queimado, ainda melhor. Os pedacinhos de açucar com sabor a caramelo a derreterem-se na boca...humm, sensação maravilhosa. Pensou fazer uma grande dose para contrabalançar a alimentação picante dos últimos dias. Telefonou ao saxofonista para aparecer e partilhar o leite creme consigo. Claro que ele veio a correr com o saxofone aos saltos. Facto que era preocupante. Ainda se estragava o saxofone com esta correria gulosa. Mas lá chegou intacto.
O saxofonista estava ávido de leite creme mas também de novidades. Queria saber que destino tinha levado a sua última composição. Se sempre servira de sinal para o encontro dos assaltantes da ourivesaria Simões. Ouro e pedras preciosas que permitiriam a tão almejada viagem de volta ao mundo em 200 dias. Quem tinha tocado a sua música? Tinha corrido tudo bem ao som da sua original melodia? Descansou-o quanto a isso mas foi logo avisando que a viagem prevista para 200 dias tinha que ser encurtada para 150. Porque os lucros tinham sido mais escassos do que o previsto. O saxofonista praguejou, pois menos 50 dias de viagem...isso consistiria num duro golpe para a sua inspiração. O saxofone ultimamente não tocava nada, ele andava melancólico e não tinha ânimo para soprar uma única nota. O Fá e o Sol até o enjoavam... Precisava urgentemente desta viagem! Nisto, o saxofone deu sinal de vida... Era um saxofone animado e com alma. Também ele queria viajar por esse mundo e conhecer a sua saxofona gémea. Onde estaria ela agora? Longe ou aqui mesmo ao lado?
Os dois olhavam para o saxofone meio apiedados, meio assustados... Seria tudo imaginação? O leite creme estaria a dar-lhes volta ao miolo? Estaria o docinho contaminado com alguma substância alucinogénea? A ser assim, provável seria haver ali "mãozinhas" dos donos da ourivesaria Simões... Tudo isto estava a tornar-se muito perigoso!

Maria Eduarda Colares said...

Aliás desde a morte de Alfreda que tudo se tornara bastante ameaçador e ninguém pensasse que era possível continuar a encobrir a terrível verdade atrás de lamparinas acesas que era necessário alimentar a óleo de morsa. Saía caríssimo e o saxofonista precisava de fazer economias. Aliás a terrível verdade - e todos eles diziam sempre "a terrível verdade" - teria, mais tarde ou mais cedo, de vir a lume. Graciosa Alegre mantinha o petromax bem espevitado para aquecer a água para quando chegasse o momento da "terrível verdade", mas como agora já não exista praticamente ninguém com pés, ela começava a perder a esperança de que o negócio viesse a concretizar-se. Tinha, contudo, promessas muito concretas e vindas de uma fonte praticamente inquestionável, de que seria possível, caso a "terrível verdade" se mantivesse latente, voltar a fazer a encomenda dos trezentos milhões de ovos de tartaruga. Mais do que isso seria difícil, mas trezentos milhões era possível.
Mas a dúvida assaltava-a frquentemente e ela começava a não suportar por muito mais tempo aqueles assaltos. Eram extraordinariamente aborrecidos e estavam a tornar-se de uma vulgaridade atroz. Chegava e era sempre a mesam cena: Sou a Dúvida, boa tarde, venho assaltá-la... Não, estava efectivamente a perder a paciência.

Avô Jorge said...

Trimmmmmmmmmmmmmm!
Já....
Acordei muito estremunhado. O sonho já ía longo e tantos protagonistas.
Caraças...que história.
Está na hora de ir trabalhar.
Amanhã, concerteza vou sonhar com outra história qualquer.

Anonymous said...

no dia seguinte, acordou muito bem disposto e resolveu casar. assim, de um momento para o outro, teve esta brilhante ideia e foi logo à procura de uma noiva. obviamente, teve de saber primeiro qual era a farmácia de serviço. um homem não casa sem comprar anti alérgicos. o senhor aníbal estava ainda a abrir a porta, quando reparou nele. um farmacêutico experiente no ramo dos matrimónios reconhece logo um noivo aflito. "entre, entre, ora muito bom dia"...

Ouriço said...

- Bem, eu cá resolvi que me quero casar. Preciso de Zirtec e de uma indicação: sabe por acaso como se arranja uma noiva eficaz e co,petente? E bonita, já agora. Não me serve um trambolho.
Aníbal fez jus ao nome e pensou.
- Diga-me....é mesmo para hoje?
- Hoje. Tenho urgência.
- Bom, eu tenho a solução.

Avô Jorge said...

...a solução!?
Aníbal coçou a cabeça, já a cair para o calvo e respondeu:
- Tenho que falar com a minha Maria. Venha cá amanhã.
Saí porta fora e zangado. Tão depressa não ia ter noiva:
- Ficou a pensar...ainda por cima vai falar com a mulher...depois a seguir deve mandar a questão para o Tribunal Constitucional. O melhor é concorrer ao programa da TVI...? ...como é que é...sim, a Bela e o Mestre...

n©n said...

trrriiiiimmmm....
"Isto não pára, são uns atrás dos outros...pesadelos, pois claro!. Uma pessoas pensa que acorda, mas não e cada um mais assustador que o outro. Já nem sei o que é pior, se a realidade com os aliens, os desastres naturais, o bzzzzz da varejeira, a intermitência de Alfreda ou estes pesadelos.
Casar, eu? Com uma mulher? Curioso, logo eu que nem gosto de mulheres..."

Ouriço said...

- Ó Pablo!
- Sim, môr?
- Anda cá.
- Diz. Estava a a fazer crochet.
- Não arranjei mulher para casar. Nem em comprimidos, nem em xarope e nem em supositórios.
- Não havia em pó?
- Nada! Esquece. É preciso arranjar outra solução.

Unknown said...

- Já sei!
- Diz?
- Porque não fazes uma?
- Uma quê?
- Uma mulher.
- Uma mulher??!
- Sim, A mulher. Falas com o Nikolai e explicas o que queres. Viste o pedaço de homem que ele criou a semana passada para o Mohammed?
- Boa ideia! Ele é um génio, de facto.
- Faz tudo, até ao limite. Viste como a empregada que ele criou para a Estrela é mesmo para todo o serviço? E que simpática e generosa.
- Sim, sim. Como é que não me lembrei disso antes? Vou já a casa dele. Telefono-lhe antes?

Anonymous said...

para não perder tempo a telefonar, resolveu ir a casa do nikolai de imediato. teve sorte de o encontrar e logo lhe explicou tudo o que se tinha passado. mas o que este lhe recomendou foi ainda mais interessante. disse-lhe sem rodeios que o que ele precisava era de um noivo. porque entendeu claramente que ele não gostava de mulheres. e propôs fazer-lhe um à medida no prazo de uma semana. perguntou a cor dos olhos desejada, o tom de pele, a altura, o peso, enfim, o serviço completo. "ora aí está uma coisa em que nunca tinha pensado, disse ele ao nikolai, o homem da minha vida por encomenda". quando terminou a visita, resolveu passar na farmácia para comprar ansiolíticos. o senhor aníbal nem queria acreditar...

Ouriço said...

Três dias depois, o plástico Marco entrou pela porta. Logo informou Pablo que a lida da casa era agora da sua responsabilidade. Afinal, tinha vindo para casar.
Triste, cabisbaixo, Pablo saíu de casa. "Queres ficar com o insuflável, fica. Que te faça bom proveito".
Tocou à campainha. Nada. "O Pressa não está? Estranho". Insistiu.
- Quem é?
- Pressa, sou eu. Abre, quero falar contigo.

dora said...

abriu.
fechou rapidamente. Não era possível... não podia ser!
tornou a abrir, uma frsta só para se certificar
e...

Unknown said...

sim, era verdade! Não era fruto da sua imaginação fertilizada com filmes e livros de encantar.
A mala estava cheia de dinheiro. Parecia verdadeiro.
Voltou a fechá-la só para se poder surpreender de novo com a imagem que até agora só vira nos filmes. E lera nos livros.
Então era mesmo verdade. E estas coisas aconteciam. Um tio-avô distante de quem nunca tinha ouvido falar. Testamentos. Advogados. Legado. E as quintas no Norte? O monte no Alentejo? A ilha Fernão de Magalhães no Brasil? Tudo seu?

Miguel Marujo said...

Pasmou por instantes perante tamanho legado. Mas depois começou a fazer contas, malditas contas, os impostos sucessórios, os advogados, os parentes na lama a quererem deixar de o ser, a lama a tomar conta da sua vida. Da felicidade instantânea nasceu uma dor de cabeça esquisita. Forte, ritmada, tambores dentro da cabeça. O testamento era um pesadelo vertido em djambés na Rua Garrett.

Unknown said...

Por breves instantes alheou-se e sonhou com coisas boas. Lembrou-se da Leitaria e decidiu deixar os parentes enlameados (talvez viessem todos do Rio da Prata)e os amigos que ainda não tinha para o dia seguinte. Ou para a semana. Talvez emigrasse e fosse ser rico noutro lugar qualquer.
Hoje ia ver Vitorino ao Trindade.

hfm said...

Só que quando chegou ao Trindade não o encontrou. Havia um buraco e uma árvore. Uma apenas. Esguia. Ligeiramente entortada. Autoritária. Em voz baixa perguntou-lhe:

-O que aconteceu ao Trindade?

-Trindade? Qual Trindade?

- O Trindade...

- Estarás a falar de algum fantasma?

Joao said...

e, da esquina mais próxima, ouviu um assobio. olhou de soslaio, que naquela zona, os gatos são pardos, tentando perceber que figura estaria a fazer aquilo.
Lá vinha rua abaixo, Trindade, o punk reformado, com o seu cão Sid Vicious e a cadela Nancy. Trauteava o último exito de Tony Carreira, que por sinal estava no Top das músicas mais vendidas em Portugal, contrastando nitidamente com as caveiras, pulseiras de picos, colete de ganga e calças rasgadas. Seguindo-o, vinha uma figura estranha, nunca vista por aqueles lados. "Odete, Camarada Odete", gritou.

n©n said...

"Agora estava num pátio rodeado de muros muito altos e o homem, com tanta pressa, nem tinha visto o portão. Bateu com a cabeça contra o muro, mas como não tinha tempo de pensar em nada, deu meia volta e seguiu o seu caminho a correr: através da casa, pelo cruzamento e ao longo da rua até que, sem dar conta, chegou a sua casa. Então ficou muito surpreendido!"
© Úrsula Wolfel